Título II – O médico dentista e o doente

CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Artigo 6.º

Independência

1- No exercício da profissão o médico dentista deve decidir com base na ciência e na sua consciência, sendo técnica e deontologicamente independente e, por isso, responsável pelos seus atos ou omissões.

2- O médico dentista não pode estar subordinado a qualquer orientação técnica ou deontológica de estranhos à saúde oral, nem ser coartado no exercício independente da medicina dentária.

3- O médico dentista tem o direito à liberdade de juízo clínico, de diagnóstico e de terapêutica.

4- O disposto nos números anteriores não contraria a existência de hierarquias técnicas institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, não podendo, contudo, o médico dentista, em circunstância alguma, ser constrangido à prática de procedimentos contra a sua vontade e consciência profissional.

 

Artigo 7.º

Comércio e mediação

1- O consultório ou clínica de medicina dentária é um local destinado, exclusivamente, ao exercício da medicina dentária e deve ter instalações e meios técnicos adequados ao exercício da profissão, sendo proibidos quaisquer atos de comércio e/ou mediação.

2- Não configura a prática de comércio ou mediação a administração ou disponibilização ao doente de substâncias, materiais ou equipamentos necessários e adequados ao tratamento ou à adesão ao tratamento em curso pelo doente.

3- Também não configura comércio ou mediação nos termos do número precedente, a recomendação de medicamentos e dispositivos médicos que, ao abrigo da legislação em vigor, estejam indicados e sejam indispensáveis ao tratamento em curso.

4- Salvaguardados os n.ºs 2 e 3, o médico dentista deve abster-se de exercer qualquer pressão ou coação sobre o doente para a aquisição de determinados medicamentos, aparelhos ou equipamentos, respeitando a sua liberdade de escolha.

5- O médico dentista não pode participar em esquema, acordo ou qualquer outra forma de cooperação, com qualquer outra pessoa ou entidade, que vise obter, para si ou para terceiros, benefícios económicos ilegítimos ou que possam constituir um risco para a saúde pública ou para o doente.

 

Artigo 8.º

Princípios fundamentais de conduta

1- O médico dentista deve exercer a sua profissão de acordo com as leges artis, com respeito pelo direito à saúde das pessoas e da comunidade.

2- O médico dentista deve exercer as suas funções agindo com correção e delicadeza, professando o superior interesse do doente, assegurando a prestação dos melhores cuidados de saúde oral possíveis.

3- Sempre que existam opções de tratamento, o médico dentista garante, através do processo de consentimento, a liberdade de escolha do tratamento pelo doente.

4- O médico dentista não pode garantir o resultado sobre o tratamento realizado, apenas a conduta diligente para atingir o mesmo.

5- O médico dentista é responsabilizado pela prestação desadequada de atos médicos dentários, quando perante as circunstâncias concretas do caso, lhe era objetivamente exigível a atuação de forma diversa e, mesmo que o doente tenha consentido ou insistido nessa forma de tratamento.

6- Sempre que o doente insiste ou instrui o médico dentista a uma atuação manifestamente desadequada de acordo com o conhecimento científico deste, o médico dentista tem o direito, ou o dever, de recusar.

7- O médico dentista deve abster-se de práticas não justificadas, suscetíveis de induzir no doente falsas necessidades terapêuticas.

8- O médico dentista deve assegurar a permanente atualização dos seus conhecimentos científicos e preparação técnica.

9- O médico dentista deve assegurar os cuidados inadiáveis aos doentes no exercício do direito à greve, não podendo o direito à greve, violar os princípios da Deontologia no exercício da medicina dentária.

10- O médico dentista deve frequentar ações de formação contínua em mínimos definidos pela OMD.

11- O médico dentista ou o prestador coletivo de serviços de medicina dentária têm o dever de revelar e invocar casos de conflito de interesses que lhes sejam aplicáveis, a fim de poder abster-se de aceitar ou continuar o tratamento de um doente em concreto.

12- O médico dentista não está impedido de realizar atos próprios de medicina dentária sobre si próprio ou familiares diretos.

 

Artigo 9.º

Privacidade e tratamento de dados pessoais

1- No que concerne à relação entre médico dentista e doente serão recolhidos todos os dados de que depende a respetiva prestação de serviços, a prestação de cuidados de saúde, bem como o tratamento administrativo do processo clínico e do processo relativo à identificação pessoal do doente, incluindo a recolha e tratamento pelo médico dentista dos dados juridicamente sensíveis respeitantes à saúde.

2- Para efeitos do disposto no número anterior e nos termos da legislação aplicável, a base de tratamento de dados pessoais, incluindo dados de saúde, assenta na obrigação contratual de prestação de cuidados de saúde que é exigida ao médico dentista e, portanto, no consentimento do doente enquanto titular dos dados, que consiste numa manifestação de vontade, livre, específica, informada e explícita, pelo qual o doente aceita que os dados que lhe dizem respeito sejam objeto de tratamento.

3- Os dados pessoais apenas podem ser utilizados para as finalidades indispensáveis à atividade do médico dentista bem como a interesses vitais do doente, designadamente para a prestação de cuidados de saúde e ainda para outras atribuições que se integrem no âmbito das competências legalmente conferidas no respetivo Estatuto.

4- O médico dentista pode usar os dados para as comunicações, legal ou regulamentarmente previstas, com os respetivos titulares, estando apenas autorizado a fornecê-los a terceiros caso o titular dos dados expressamente o consinta ou, quando justificado, no âmbito das obrigações contratuais inerentes à boa prática da profissão.

5- O médico dentista adotará e implementará uma política de privacidade própria, respeitando igualmente as políticas de privacidade estabelecidas por entidades terceiras com as quais trabalhe, com vista a assegurar o cumprimento das obrigações legais decorrentes da recolha e tratamento de dados, designadamente no que se refere à segurança dos dados juridicamente sensíveis de saúde.

6- Considerando a implementação do Regulamento Geral de Proteção de Dados a partir de 2018 (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016), o médico dentista com funções de direção clínica promove a adoção de procedimentos de controlo relativos ao cumprimento da segurança interna dos ficheiros, bem como ao acesso dos mesmos, em conformidade com os termos daquele regulamento e demais normas legais ou regulamentares aplicáveis, ou outras que venham a suceder-lhes.

 

Artigo 10.º

Condições de exercício

1- O médico dentista ou a organização do prestador coletivo de medicina dentária devem assegurar as melhores condições possíveis para a prestação dos atos médico-dentários, de forma a satisfazer as necessidades de tratamento do doente.

2- Sem prejuízo da sua independência técnica e científica, o médico dentista, deve, no exercício da sua profissão:

  1. Utilizar o sistema oficial em vigor instituído pela Federação Dentária Internacional (FDI) referente à identificação de peças dentárias.
  2. Utilizar e registar os atos clínicos de acordo com a Tabela de Nomenclatura da Ordem dos Médicos Dentistas.
  3. c) Realizar, previamente ao tratamento médico-dentário, uma correta avaliação clínica do estado geral e oral do doente, de forma a poder planificar um tratamento que vá ao encontro das necessidades e expectativas deste.
  4. d) Solicitar ou executar meios complementares de diagnósticos sustentados numa avaliação clínica prévia.
  5. e) Abster-se de utilizar produtos cuja aplicação careça de exame clínico prévio ou que não tenham garantias comprovadas de segurança ou aprovação pelas entidades reguladoras competentes.
  6. f) Abster-se de utilizar métodos de medicina alternativa não comprovados cientificamente e que sejam suscetíveis de colidir com as leges artis, ou realizar qualquer outro tratamento complementar para o qual não esteja devidamente habilitado.

3- Não podem ser realizadas atividades abrangidas no âmbito da medicina dentária, em condições ou locais que possam comprometer a dignidade da profissão, a qualidade dos atos médico-dentários, a reserva da intimidade dos doentes e o respeito pelo sigilo profissional.

4- Consideram-se abrangidas pela proibição do número anterior, todos os estabelecimentos que não se encontrem devidamente licenciados e afetos à prestação de cuidados de medicina dentária, designadamente, os seguintes estabelecimentos:

  1. a) Farmácias e para-farmácias;
  2. b) Cabeleireiros, centros de estética, estabelecimentos de bem-estar ou cosmética;
  3. c) Ervanárias;
  4. d) Hipermercados e congéneres.

 

Artigo 11.º

Urgência

O médico dentista, na medida das suas possibilidades, formação conhecimentos e experiência, deve prestar tratamento imediato de urgência a pessoas que se encontrem em perigo iminente.

 

Artigo 12.º

Objeção de consciência

1- Ao médico dentista é assegurado o direito de recusar a prática de um ato profissional, quando tal prática não estiver de acordo com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária ou contradiga os princípios éticos e normas deontológicas.

2- A objeção de consciência é manifestada perante situações concretas, em documento assinado pelo médico dentista objetor, comunicada ao diretor clínico do estabelecimento de saúde, e em tempo útil ao doente ou a quem, no momento, o represente.

3- É obrigatória a comunicação imediata do documento referido no número anterior, ao presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina da OMD.

4- Se não houver outro médico dentista disponível, a quem o doente possa recorrer, a objeção de consciência não pode ser invocada em situação urgente e que implique perigo de vida ou grave dano para a saúde.

5- O médico dentista objetor não pode sofrer qualquer prejuízo pessoal ou profissional pelo exercício do seu direito à objeção de consciência.

 

Artigo 13.º

Liberdade de escolha do doente

1- O doente é livre na escolha do médico dentista devendo ter fácil acesso à identificação do médico dentista que realizou, em concreto, os atos médico-dentários.

2- O médico dentista não deve aceitar a prestação de serviços profissionais que não resulte da escolha direta e livre do doente, salvo os casos em que esta escolha é física ou legalmente impossível.

3- O médico dentista deve apoiar e defender o direito à livre escolha pelo doente e não participará em qualquer regime, projeto ou acordo que possa limitar a liberdade ou a capacidade de exercício de tal direito, sem prejuízo das regras relativas a acordos, convenções ou subsistemas de saúde, públicos ou privados dos quais seja aderente ou prestador.

4- Nas situações previstas no número anterior, no acesso ao ato clínico não é aceitável qualquer tipo de discriminação entre doentes beneficiários e não beneficiários.

 

Artigo 14.º

Mudança de médico dentista

1- O doente é livre de mudar de médico dentista, recaindo sobre este ou sobre o prestador coletivo no qual aquele se insere, o dever de respeitar esse direito.

2- Sendo-lhe solicitado pelo doente, o médico dentista deve ajudá-lo na escolha de um colega, agindo com total imparcialidade e guiando-se apenas pela sua consciência profissional e pelo interesse do doente.

3- É aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 12.º.

 

Artigo 15.º

Liberdade do médico dentista

1- Sem prejuízo do previsto no artigo 11.º, o médico dentista pode de forma fundamentada, recusar a prestação da assistência.

2- O médico dentista não pode, porém, fazer qualquer tipo de discriminação violadora dos direitos humanos.

 

Artigo 16.º

Assistência

1- O médico dentista ao tratar o doente tem obrigação de administrar os cuidados para os quais tenha formação e experiência, assumindo a responsabilidade pelos mesmos.

2- O reconhecimento da competência do médico dentista assenta essencialmente no saber e na experiência profissional, devendo acompanhar os mais recentes progressos e a evidência científica no plano da medicina dentária.

3- O médico dentista, quando lhe pareça indicado, deve pedir a colaboração de outro profissional ou indicar ao doente outro profissional que julgue mais qualificado.

 

Artigo 17.º

Continuidade de assistência

1- O médico dentista deve assegurar a continuidade de prestação de serviços ao doente.

2- Quando o médico dentista deixe de prestar trabalho ou serviço para o qual estava contratado, independentemente do motivo, deve informar o diretor clínico, de imediato e por escrito, do novo endereço profissional.

3- Se no momento da sua saída, o médico dentista não dispuser de um novo endereço profissional, deve comunicar por escrito esse facto ao diretor clínico.

4- Sem prejuízo do disposto no número anterior, poderá o médico dentista solicitar, até ao prazo de um ano após a sua saída, o cumprimento do disposto no n.º 5 do presente artigo.

5- Sempre que o doente solicite ou em situação de necessidade de defesa do bom nome do médico dentista, o diretor clínico tem o dever de informar qual o novo domicílio profissional do médico dentista cessante.

6- Ao médico dentista cessante assiste o direito de exigir prova do cumprimento das diligências previstas no número anterior.

7- Sem prejuízo do disposto no número anterior o médico dentista cessante pode no espaço de 30 dias acordar outra solução com o diretor clínico.

 

Artigo 18.º

Recusa de assistência

1- Sem prejuízo dos honorários que forem devidos, bem como do disposto no artigo 11.º, é, porém, reconhecido ao médico dentista o direito de recusar a continuação da prestação de assistência, nomeadamente quando verifique quebra na relação de confiança com o doente.

2- É ainda permitido recusar a continuidade de assistência quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:

  1. a) Não seja afetada a saúde do doente, nomeadamente por lhe ser possível assegurar assistência por outro médico dentista;
  2. b) Tenha prestado os esclarecimentos necessários para a regular continuidade de tratamento;
  3. c) Tenha advertido o doente com a devida antecedência.

3-Assiste também ao médico dentista o direito de recusar a continuação de prestação de assistência ao doente que, injustificadamente, não tenha pago as despesas suportadas e os honorários de tratamento anterior, ressalvadas as situações de urgência, previstas no artigo 11.º.

 

Artigo 19.º

Telemedicina

1- A telemedicina deve respeitar a relação médico dentista-doente, mantendo a confiança mútua, a independência de opinião do médico dentista, a autonomia do doente e a confidencialidade.

2- A consulta por telemedicina não substitui a relação presencial médico dentista-doente e deve realizar-se em condições sobreponíveis a uma consulta presencial.

3- O médico dentista que usa os meios da telemedicina e não observa presencialmente o doente, deve avaliar cuidadosamente a informação recebida, só devendo dar opiniões, recomendações ou tomar decisões se a qualidade da informação recebida for suficiente e relevante.

4- Serão aplicáveis à telemedicina dentária, com as necessárias adaptações, todas as regras éticas e deontológicas vigentes.

 

Artigo 20.º

Consultas de medicina dentária ao domicílio

1- O médico dentista que realiza consultas ao domicílio, deve assegurar que os procedimentos de diagnóstico e tratamento se realizam com as devidas adaptações, em condições sobreponíveis uma consulta em consultório.

2- Para o efeito do número anterior, cabe ao médico dentista avaliar as condições necessárias à realização de consultas de medicina dentária ao domicílio, nomeadamente, a existência do consentimento e o cumprimento das regras de acondicionamento e de esterilização do material a utilizar, de forma a poder realizar o ato clínico em condições de segurança para o doente.

 

Artigo 21.º

Direito de reclamação do doente

O médico dentista e os prestadores coletivos da medicina dentária devem respeitar o direito de reclamação do doente, permitindo-lhe expor oralmente ou por escrito os factos em causa, dando-lhe uma resposta rápida, ativa e esclarecedora, de forma a resolver a situação no melhor interesse deste.