“O momento pós-pandémico é o momento certo para termos coragem de implementar a reforma da saúde oral”. Esta foi uma das mensagens deixadas pelo bastonário da OMD, Miguel Pavão, que, no passado dia 23 de fevereiro, foi ouvido pelos grupos parlamentares na comissão eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia da doença COVID-19 e do processo de recuperação económica e social.

O bastonário realçou que a COVID-19 tem tido um enorme impacto negativo na medicina dentária e que é preciso olhar para o futuro como uma oportunidade para investir na saúde oral dos portugueses.

Realçou que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apresentado pelo Governo para responder à crise do país deverá “reforçar a organização dos cuidados de saúde primários”; com uma verba específica para a saúde oral, mas que a OMD desconhece qual o seu valor. Respondendo à questão colocada pelo grupo parlamentar do PS, acerca do valor ideal para reforçar a saúde oral, o responsável não hesitou: “somos ambiciosos”. E, nesse sentido, defendeu a alocação de 85 milhões de euros do PRR, à semelhança do que está previsto para a saúde mental, já que ambas são áreas negligenciadas. A este valor, propôs adicionar 30% dos cerca de 80 milhões de euros obtidos anualmente via imposto “Coca-Cola” (imposto sobre as bebidas açucaradas).

Além da urgência de investir neste setor, na opinião do bastonário, “a medicina dentária em Portugal tem de levar uma grande volta estratégica” e “os partidos políticos não se podem demitir disso”. Estratégia que passa pela literacia e prevenção para a saúde oral e pelas reformas do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (cheque-dentista) e da medicina dentária nos cuidados de saúde primários (CSP), nomeadamente a criação da carreira de médico dentista.

 

Precariedade nos CSP

Miguel Pavão alertou os grupos parlamentares para a situação de precariedade vivida nos centros de saúde, que se agudizou com a pandemia. A COVID-19 expôs as fragilidades deste processo de contratação, entregue a empresas de recrutamento, que criou “falsos recibos verdes” e colocou os médicos dentistas a reportar “muitas vezes a técnicos de radiologia ou psicólogos”.

Além disso, denunciou, que, no primeiro confinamento, estes profissionais viram “a suspensão imediata dos contratos”. Pelo que urge a integração dos médicos dentistas numa carreira adequada, condição que deverá acompanhar a intenção do Governo de instalar gabinetes de medicina dentária nos centros de saúde.

Também a utilização do cheque-dentista está comprometida. A pandemia expôs a necessidade de mudar a forma como o programa tem sido executado. O impacto, sustentou o bastonário, “é mensurável”. Desde logo porque, até ao final de 2020, verificou-se uma redução de 25% dos cheques-dentista e de 45% na sua utilização. Já o PIPCO (Projeto de Intervenção Precoce do Cancro Oral) registou uma quebra de 40% na taxa de utilização. Além disso, o valor reembolsado aos médicos dentistas não contempla as despesas com os equipamentos de proteção individual.

Impacto na medicina dentária

Questionado pelos partidos sobre o real impacto da pandemia no setor e as dificuldades no acesso a apoios, Miguel Pavão fez uma distinção entre o primeiro confinamento e o segundo, que está em curso. Quanto ao primeiro, que ditou o encerramento temporário da atividade, por decreto governamental, verificou-se uma quebra de rendimentos e de faturação na ordem dos 70%.

Os mais jovens foram os que mais sentiram as consequências da pandemia, não só aqueles que estão no mercado de trabalho, mas também os estudantes. No caso dos recém-licenciados, o bastonário da OMD referiu que metade dos profissionais com dois ou menos anos de experiência não beneficiou de qualquer apoio, sendo que 80% daqueles que têm até cinco anos de experiência estão a recibos verdes. A questão da formação médico-dentária é encarada pela Ordem com muita preocupação, pois o encerramento das clínicas pedagógicas compromete a “aprendizagem de competências clínicas”.

Por fim, lembrou as dificuldades da classe em matéria de acesso a apoios, particularmente ao programa ADAPTAR (só 3% acedeu) e ao layoff direcionado a sócios-gerentes (só 12% acedeu).

 

Expectativas defraudadas

Perante as várias dúvidas e questões colocadas pelos partidos políticos relativamente à vacinação, Miguel Pavão aproveitou para realçar que “as expectativas foram defraudadas”, uma vez que a meta estabelecida para a primeira fase era a de vacinar 1.500 médicos dentistas, sendo que até ao final da semana passada apenas 339 receberam a primeira dose. Embora a OMD tenha sido sempre ouvida pela task force para o plano de vacinação contra a COVID-19, tendo inclusive demonstrado disponibilidade para operacionalizar o processo e vacinar a classe, “houve uma priorização ao setor público, quando 98% dos médicos dentistas trabalham no setor privado”.

O bastonário acrescentou que houve “um salto bastante produtivo com o novo coordenador”, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, pelo que apelou aos partidos para que sejam tomadas medidas que permitam vacinar o mais rápido possível os 1.500 médicos dentistas com comorbilidades.

Questionado quanto à priorização dos assistentes dentários, Miguel Pavão indicou que estes profissionais foram excluídos da primeira fase, embora a OMD defenda a sua vacinação em conjunto com os médicos dentistas, tal como acontece em Madrid, por exemplo, já que têm um contacto muito próximo com os doentes.

Por outro lado, salientou que a OMD tem participado desde o primeiro momento nas diversas reuniões de planeamento, lamentando, por exemplo, que as ordens profissionais poderiam ter tido “um envolvimento maior” na preparação da estratégia outono/ inverno, que deveria ter contemplado a “criação de uma comissão de gestão de crise da pandemia”.