Na Assembleia-Geral da FEDCAR (Federação Europeia dos Reguladores da Medicina Dentária) os representantes de vários países europeus apresentaram as respetivas práticas publicitárias e as dificuldades que generalizadamente encontram nesta matéria.

A diretora do Departamento Jurídico da OMD, Filipa Carvalho Marques, apresentou o histórico da regulação portuguesa aos presentes, as diversas iniciativas que a OMD desencadeou ao longo da década, alcançando o próprio poder legislativo que a Ordem não tem, mas desencadeou.

Lembrou ainda as tendências fortemente penalizadoras para todos os reguladores face às pesadas coimas a que estão e foram sujeitos em Portugal, sempre que puniram práticas publicitárias, sob o pretexto da livre ou até selvática concorrência, um pelouro Europeu e português sob a alçada de uma Autoridade da Concorrência de postura policial.

Salientou ainda as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e “até onde é possível ir na nossa regulação”. “Quando tentamos regular a publicidade, estamos a entrar num universo de legislação que pode ser muito complicado. O que para o senso comum é óbvio, na lógica da qualidade e da lealdade, colide frontalmente com a doutrina da década de 90 que instaurou o que chamo de ditadura de mercado”, referiu.

A diretora aproveitou para resumir o caminho percorrido pela OMD que resultou na publicação do decreto-lei das práticas publicitárias em saúde (ver notícia). Só a mera iniciativa de aprovar e redigir esta lei, com um teor hostil ao mercado, referiu, foi “uma vitória”, “fruto de muito trabalho e lobby no Parlamento” português, que criou ferramentas importantes. “Mas não temos uma proibição total”, argumentou Filipa Carvalho Marques. “Sempre tivemos de nos posicionar regulando bem, mas não proibindo em absoluto por imperatividade da lei”, afirmou.

“A tendência das autoridades é permitir e não proibir”, até porque consideram que “as restrições publicitárias fazem diminuir a concorrência”. “É com isso que temos que lidar todos os dias e a cada decisão punitiva que tomamos”, afirmou, lembrando que foi assim que começou a “luta da Ordem ao afirmar um categórico não. Tem que haver proibições para salvaguardar os doentes, a qualidade, a segurança das pessoas e a lealdade entre prestadores. As pessoas são facilmente enganadas na saúde dada a assimetria. E isto deve ser imperativo”, disse.

E recordou o processo que teve com a Autoridade da Concorrência, tendo revelado o conteúdo e expressões utilizadas na sentença. “Os Reguladores estão de pulsos atados, não é exagero dizê-lo”, explicou.

 

Cédric Grolleau, diretor executivo da FEDCAR, sustentou que em França estão sob influência da Autoridade Nacional de Concorrência francesa e que, após reunirem em novembro com a Comissão Europeia, não havia por parte desta qualquer intenção de alterar a legislação.

Aproveitou para falar do exemplo do caso Vanderborght, um médico dentista belga que divulgou os seus serviços, entre 2003 e 2004, em outdoors, publicidade em sites e em jornais, incluindo para outros Estados-Membros. A ação suscitou uma queixa da associação profissional belga, invocando a legislação belga, que proíbe em termos absolutos qualquer publicidade neste setor. Porém, o TJUE excluiu a proibição geral e absoluta, devido à diretiva 2000/31 (sobre o comércio eletrónico) e ao artigo 56º TFUE (liberdade de fornecer serviços). Portanto, concluiu, na UE não pode haver proibição total da publicidade. “Mas deve haver limites: na proteção da dignidade profissional e na proteção da confiança/ relação do paciente e médico dentista”, defendeu o diretor executivo da FEDCAR, concordando com a preocupação lançada por Portugal.

Recordou que França foi notificada a 24 de janeiro de 2019 pela Comissão da Europeia, devido à sua regulamentação da publicidade para todos os profissionais de saúde, informando a recusa de distinção entre proibição de publicidade direta ou indireta e a autorização de comunicação de informação profissional (em sites, por exemplo).

 

Gerry McCarthy, presidente do Dental Council of Ireland, lembrou que, em 2005, “tivemos a mesma experiência complicada”. “Fomos a tribunal com a autoridade da concorrência, devido à entrada de uma seguradora no país”, contou, enquanto notou as dificuldades de negociação na Irlanda, porque as ordens são consideradas conjunto de associações de empresas.

David O’Flynn acrescentou que o sistema irlandês está sujeito à legislação da concorrência e a restrições severas em matéria de publicidade. Tentaram regulamentar a profissão, ao obrigar “todos os médicos dentistas a publicitar os seus preços para os doentes poderem comparar”. Alertou também para a autodenominação de especialista, quando se entra no campo da regulamentação. “Especialista dá a ideia de especializado em certa área, o que nem sempre acontece”, disse, frisando que “gostava de agir nesta área. Tentamos mudar comportamentos, que desistam de usar a expressão ou então pode haver sanções disciplinares.”

Também em França, explicou Christian Winkelann, vice-presidente da Ordre National des Chirurgiens Dentistes (ONCD), “tivemos recomendações porque éramos muito restritivos em publicidade”. “Foi pedido que não fosse feita publicidade, mas informação ao doente, sem incitar ao consumismo exagerado”, contou. O responsável argumentou que tiveram igualmente uma condenação e pediram “ao Governo que alterasse quatro artigos na legislação da publicidade. O Governo ainda está a avaliar”. Acrescentou que “escreveram uma carta sobre motivo a adotar para informar doentes”, de modo a “não tratar a profissão como comércio”, dada a total desregulação que França sofreu.