ROMD – Quando foi constituída a comissão instaladora para a criação da futura Ordem dos Médicos Dentistas de Angola e como surgiu essa ideia?

JSV – Quando regressei a Angola, em 1994, após formação na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, pedi o ingresso na Ordem dos Médicos, que foi recusado. Entretanto, foram chegando ao país mais médicos dentistas nacionais e estrangeiros e só havia uma associação representativa dos técnicos de estomatologia, pelo que sentimos necessidade de organizar e regulamentar a atividade profissional. Em outubro de 2005, foi efetuada uma reunião com todos os médicos dentistas, estomatologistas e médicos maxilo-faciais, em que eu e Dra. Cláudia Cohen fomos designadas representantes da classe. Ficou definido que o primeiro objetivo seria pedir o reconhecimento e inscrição dos médicos dentistas pela Ordem dos Médicos de Angola. Após vários encontros com o bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. João Bastos, foi aprovada, em fevereiro de 2007, a nossa proposta para a criação de uma secção de estomatologia e iniciada a inscrição dos médicos dentistas, estomatologistas, odontologistas e médicos maxilo-faciais com a exigência de apresentação de documentação semelhante à requerida para os demais médicos. A aceitação pela Ordem dos Médicos de Angola foi bastante exigente e demorou cerca de dois anos.

ROMD – Em que fase se encontra este projeto e quais são os objetivos que esperam alcançar a curto/médio prazo? No ano passado, referiu que em 2013 a Ordem dos Médicos Dentistas de Angola poderia receber luz verde por parte do Ministério da Saúde. Mantém esta projeção?

JSV – Em 2010, os estatutos foram aprovados em reunião com toda a classe e enviados para aprovação do Ministério da Saúde. Como a resposta tardava, reunimos em fevereiro e março de 2011 com o ministro da Saúde, Dr. José Van-Dúnem, para apresentação dos princípios e fundamentos da organização da Ordem. O passo seguinte foi a obtenção do certificado de admissibilidade pelo Ministério da Justiça, o que foi conseguido em janeiro deste ano (2013). Seguiu-se a escritura pública em março e atualmente o projeto da Ordem está entregue para aprovação em Concelho de Ministros. Este é o último passo para, efetivamente, termos a Ordem oficialmente reconhecida, começarmos a tratar da eleição do bastonário e levantar voo!

ROMD – Quantos médicos dentistas existem em Angola? Como é vista a profissão pelos mais jovens? Há interesse pelos cursos de medicina dentária?

JSV – Atualmente estão inscritos na Ordem 127 angolanos e 32 estrangeiros. Este número não reflete o número total a exercer no país, porque sabemos que há muitos médicos dentistas, principalmente estrangeiros, a exercerem sem estarem inscritos.

ROMD – Quantas licenciaturas de medicina dentária existem em Angola? Quantos licenciados saem (em média) anualmente das faculdades?

JSV – Existem 5 estabelecimentos de ensino superior de Medicina Dentária:

  • Universidade Privada de Angola, fundada em 2000 como Instituto Superior de Ciências Sociais de Angola – ISPRA em Talatona, Luanda Sul e o curso de Odontologia tem a duração de cinco anos. Os primeiros licenciados, no total de 27, concluíram o curso em 2006 e a maior parte dos médicos dentistas inscritos na Ordem são provenientes desta Universidade.
  • Universidade Jean Piaget de Angola, que inclui a Faculdade de Ciências da Saúde com o curso de Medicina Dentária, com a duração de seis anos. É em Viana, a 20 km de Luanda. Iniciou a atividade em 2007, os primeiros três licenciados concluíram o curso este ano e estão matriculados cerca de 800 alunos.
  • Instituto Superior Politécnico de Benguela – ISPB, fundado em 2007 em Benguela, com o Curso de Odontologia, com a duração de seis anos. Tem cerca de 315 alunos inscritos.
  • Universidade de Belas – Unibelas, fundada em 2011 (Bairro Benfica, Luanda sul) com o Curso de Odontologia, com a duração de cinco anos. Os primeiros licenciados devem concluir os seus cursos em 2016. Tem cerca de 150 alunos inscritos
  • Instituto Superior Politécnico Alvorecer da Juventude – ISPAJ, fundado em 2011 (Bairro Nova Vida, Luanda Sul), com o Curso de Odontologia, com a duração de cinco anos. Os primeiros licenciados terminam o curso em 2016. Tem cerca de 30 alunos inscritos.

ROMD – E depois como é feita a entrada no mercado de trabalho?

JSV – Após a licenciatura, os médicos dentistas nacionais inscrevem-se na Ordem dos Médicos e estão aptos a procurar trabalho.

ROMD – Qual é a situação atual da saúde oral em Angola? Por comparação com outras realidades, nomeadamente africanas, como classificaria a vossa situação?

JSV – Não tenho dados específicos sobre a situação atual da saúde oral em Angola, mas, pela minha experiência profissional, há ainda muito para fazer em termos de educação. A cárie é sem dúvida a doença mais frequente, associada à ingestão descontrolada de açúcares e a uma má higiene oral. A falta de informação e a dificuldade de acesso a serviços de saúde traduzem a realidade.

ROMD – Os médicos dentistas estão essencialmente concentrados em Luanda; como é que podem ser incentivados a trabalhar noutras cidades e vilas? Há iniciativas nesse sentido?

JSV – Efetivamente, os médicos dentistas estão essencialmente concentrados em Luanda, mas, com o desenvolvimento das outras províncias, começam a abrir clínicas privadas com serviços de medicina dentária noutras cidades. Também a existência de mais médicos dentistas formados, oriundos das províncias e que desejam voltar para casa, aumenta a oferta de profissionais qualificados noutras regiões. O advento da paz ao nosso país traduz-se também numa estabilidade que promove o desenvolvimento e a melhoria dos serviços de saúde públicos e o aparecimento de iniciativas privadas com benefícios para todos.

ROMD – Ao nível da formação, tendo em conta que esta é uma profissão que obriga a uma formação contínua, Angola está a desenvolver estruturas próprias capazes de dar resposta a algumas necessidades? A cooperação com outros países no plano da formação como tem funcionado?

JSV – Atualmente quem quer fazer formação contínua procura-a no estrangeiro em países de expressão portuguesa, como Portugal e Brasil. Mas em Angola há instituições que se preocupam com a formação dos seus quadros e promovem ações de formação. Por exemplo, a Clínica Sagrada Esperança preocupa-se muito com a formação dos seus quadros e o Serviço de Medicina Dentária, do qual sou diretora, promove todos os anos um curso de atualização para os seus médicos, que está aberto também a médicos externos, e de dois em dois anos organiza as Jornadas de Medicina Dentária. Este ano, foi realizado um curso de atualização em endodontia para médicos dentistas e um curso para assistentes dentários que teve a colaboração da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, com a vinda do Professor António Ginjeira e das assistentes dentárias Catarina Noronha, Teresa Guerreiro, Maria Isabel Bagão e Cristina Mendes. As próximas jornadas vão realizar-se a 4 e 5 de outubro em Luanda e, para além das assistentes dentárias já mencionadas, são também convidados os médicos dentistas portugueses Paulo Mascarenhas, Mano Azul e João Paulo Martins. O Hospital Militar organizou, também, já este ano, um curso para assistentes dentários. Todas as iniciativas de formação são isoladas e promovidas pelas instituições e ainda não há em Angola, há semelhança de Portugal, empresas dedicadas à formação contínua.

ROMD – Ao nível da prevenção – um aspeto fundamental na saúde oral –, que iniciativas têm sido desenvolvidas?

JSV – Existe um plano nacional de desenvolvimento sanitário 2012-2015 e o programa Buco-Oral, integrado no Ministério da Saúde e coordenado pela Direção Nacional de Saúde Pública, que inclui programas escolares e programas vocacionados para grávidas nos centros de saúde. As ações para este ano incluem a realização de campanhas de sensibilização contra a cárie com a participação comunitária.

ROMD – Que peso têm os médicos dentistas estrangeiros na prática clínica angolana, nomeadamente os portugueses? Como tem decorrido a sua integração?

JSV – Alguns médicos dentistas portugueses estão a trabalhar em Angola e aqueles com mais experiência e qualificação profissional vêm enriquecer o exercício da profissão.

ROMD – Como devem proceder os médicos dentistas estrangeiros que querem exercer a profissão em Angola? Quantos portugueses exercem em Angola? Onde estão mais concentrados?

JSV – É muito difícil vir trabalhar para Angola devido às dificuldades de obtenção da permanência legal no país que implica um visto de trabalho. Primeiro têm de ter uma entidade empregadora que faça um contrato de trabalho e peça um visto de trabalho. O curso de medicina dentária deverá ser reconhecido pela Universidade Agostinho Neto e depois o licenciado deve efetuar a inscrição na Ordem dos Médicos de Angola.

ROMD – Tem vindo a aumentar o interesse de médicos dentistas portugueses em exercer em Angola?

JSV – Todos os dias recebo pedidos e somos procurados por colegas, alguns com alguma ligação a Angola e que, em busca de uma saída profissional, pensam emigrar. Seria excelente aprofundar a cooperação entre os estabelecimentos de ensino de medicina dentária portugueses e angolanos para melhorar o ensino da profissão em Angola, que está a crescer.

ROMD – Como classifica as vossas relações com a Ordem dos Médicos Dentistas de Portugal? E que futuro vê para esta relação de cooperação?

JSV – São excelentes as nossas relações com a Ordem dos Médicos Dentistas de Portugal e o Dr. Orlando Monteiro da Silva, na qualidade de bastonário, tem disponibilizado todo o apoio e colaboração. A vossa experiência na organização da Ordem dos Médicos Dentistas, por já terem percorrido caminhos muito semelhantes aos nossos, como a passagem pela Ordem dos Médicos, a formação de uma nova Ordem, a existência de profissionais de diferentes formações, a integração e legalização de médicos estrangeiros, são sem dúvida excelentes para nos ajudar a seguir o melhor percurso. Não tenho qualquer dúvida que a ligação histórica entre os dois países e a língua portuguesa que partilhamos são pilares muito sólidos para uma cooperação muito séria e proveitosa para ambos. Da nossa parte estamos abertos e queremos que essa cooperação seja real e efetiva.

 

Entrevista originalmente publicada na Revista da OMD nº18, de outubro de 2013.