A entrada de novos agentes no exercício da medicina dentária, as práticas de publicidade e o ensino estiveram no topo da agenda da primeira Assembleia-Geral de 2019 da FEDCAR (Federação Europeia de Autoridades Competentes e Reguladores da Medicina Dentária).

No ano em que a OMD tem a presidência da organização, o bastonário Orlando Monteiro da Silva levou à reunião, que aconteceu pela primeira vez em Portugal, um dos principais objetivos do mandato: atuar sobre os chamados corporate dentistry. Ou seja, as entidades comerciais e grupos empresariais (muitos sedeados em países diferentes daquele em que operam e até de fora da União Europeia) que estão a investir na prestação de cuidados de medicina dentária.

A comitiva portuguesa apresentou, para aprovação pelos restantes membros da FEDCAR, uma declaração conjunta preparada com o intuito de pedir à Comissão Europeia que crie medidas para acabar com uma situação discriminatória, em que o médico dentista é obrigado a cumprir deveres éticos, em prol da segurança do paciente, enquanto as clínicas e estabelecimentos de cuidados de saúde oral não estão sujeitas às mesmas regras.

Após um longo debate, os presentes decidiram aprovar o princípio do documento – igualdade de tratamento, cumprimento das regras éticas e proteção dos pacientes por parte de profissionais e empresas – e reformular o seu conteúdo, de acordo com os contributos que surgiram durante a reunião e em razão da diversidade das realidades nacionais presentes.

A diretora do Departamento Jurídico da OMD apresentou as ideias portuguesas para um problema que afeta particularmente Portugal e sobre o qual uma associação pública profissional não tem no nosso país a competência legal para atuar. “Os poderes punitivos, designadamente de apreciação disciplinar da conduta, recaem sempre sobre o profissional e nunca sobre o estabelecimento prestador de cuidados de saúde oral, estando frequentemente afastado o poder de decisão do médico dentista e criando uma tremenda injustiça e barreira à regulação”, explicou Filipa Carvalho Marques.

Por outro lado, verifica-se existir “clínicas e estabelecimentos em roda livre sem qualquer hipótese de punição ao nível ético simplesmente porque, de raiz, uma empresa, ente abstrato, não é sujeita aos mesmos deveres com os quais são confrontados os profissionais singulares, estes sim, sob regras apertadas”.

A responsável alertou para os efeitos desta dualidade: “o conflito de deveres que o médico dentista enfrenta diariamente, quando está numa clínica que não é obrigada a cumprir os deveres éticos e deontológicos aos quais ele próprio está sujeito”, já que, por um lado, tem que cumprir as suas obrigações profissionais, mas por outro tem que obedecer ao dito empregador coletivo, difuso.

Orlando Monteiro da Silva acrescentou que “há algo que podemos exigir: que não só as regras concorrenciais, mas também as éticas e deontológicas sejam seguidas” (ver vídeos).

 

Tema transversal à Europa

Lançada a questão, verificou-se que outros países europeus se deparam com a entrada de grupos empresariais na prestação de cuidados de medicina dentária.

 

Em Espanha, há casos de falências destes grupos que resultaram em grandes prejuízos para os pacientes (ver vídeo da TVI). Porém, na Irlanda, por exemplo, David O’Flynn, do Dental Council of Ireland, contou que “há grupos de que trabalham bem” e alguns “tentam trazer uma abordagem ética à medicina dentária”.

 

Explicou que se encontra em curso no país uma nova regulamentação, em que poderá ser instituído um modelo semelhante ao que existe para a atividade das farmácias. “O regulador regula ambos, farmacêuticos e farmácias, ou seja, onde há uma farmácia comercial, o gestor terá que ser farmacêutico”, argumentou, indicando que “é este modelo que estamos a tentar implementar”.

Em contrapartida, a Eslovénia depara-se, segundo Stas Stanislav Naglic, da Medical Chamber of Slovenia, com uma realidade diferente: “os diretores gerais só têm em mente o lucro e aí está o problema”. O bastonário da OMD mostrou-se ainda “particularmente preocupado” com as novas gerações, “porque é visível em vários países que os pequenos consultórios e clínicas estão a ser absorvidos, aglutinados por grandes clínicas, sociedades anónimas, fundos, etc.” “Estou a pensar nos mais jovens”, concluiu.

Os representantes dos profissionais italianos aprovaram o documento e a presidente da EDSA (European Dental Students’ Association), Alyette Greiveldinger, agradeceu “à FEDCAR por ter trabalhado este assunto”. Da parte dos ingleses e irlandeses surgiram dúvidas quanto ao facto da abordagem da questão caber aos reguladores. Daí que Cedric Grolleau, diretor executivo da FEDCAR, tenha destacado as duas mais-valias de uma posição conjunta nestes moldes: “primeiro, há margem para que cada associação nacional tenha o seu modelo, e, segundo, dá alguma diferenciação nacional”. No final, ficou decidido que o documento será reformulado para plasmar todas estas preocupações e apresentado ao Parlamento Europeu.

A ministra da Saúde de Portugal, Marta Temido, participou na Assembleia-Geral da FEDCAR, onde aproveitou para deixar uma mensagem aos seus membros (visualizar vídeo).

 

Na reunião, estiveram presentes representantes dos seguintes organismos: Consejo General de Dentistas, Medical Council of Malta, Dental Council of Ireland, Stomatoloska Komora Federacije Bopsnie I Hercegovine, FNOMCEO Italy, Medical Chamber of Slovenia, Order of Dentists of Albania, General Dental Council, National Dental Council (Belgium), Ordre National des Chirurgiens Dentistes e EDSA.

Portugal esteve representado por Orlando Monteiro da Silva, bastonário da OMD e presidente da FEDCAR, Paulo Ribeiro de Melo, presidente do Conselho Geral, Luís Filipe Correia, presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina, Ana Mano Azul, presidente do Conselho Fiscal. A convite do bastonário esteve ainda presente Tiago do Nascimento Borges, presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina Dentária (ANEMD).