Considero importante, neste artigo de início do ano de 2018, dar conhecimento aos colegas dos vários tipos de situações que foram reportadas em 2017 ao Conselho Deontológico e de Disciplina (CDD) da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD).

Esta informação, do meu ponto de vista, revela-se importante porque dá conta não só do total de participações disciplinares recebidas, mas também, das principais áreas/ temas abrangidos.

Recorde-se que, nos termos do Estatuto da OMD, todos os membros da OMD estão sujeitos ao poder disciplinar do CDD (v. artigo 72º, nº1 do Estatuto).

No mesmo sentido, o artigo 5º do Código Deontológico da OMD estabelece que é da exclusiva competência do CDD, o reconhecimento da responsabilidade disciplinar dos médicos dentistas por violação das regras deontológicas.

Assim, no ano de 2017 e no exercício das suas atribuições estatutárias, o CDD contabilizou e analisou um total de 232 participações, na sua maioria remetidas quer por doentes diretamente para o CDD, ou via Entidade Reguladora da Saúde.

No caso dos doentes, constata-se que grande parte das participações disciplinares foram apresentadas com recurso ao preenchimento do formulário de reclamação do doente disponibilizado pela OMD.

Registou-se ainda diverso expediente de natureza disciplinar remetido por outras entidades, tais como tribunais, serviços do Ministério Público, inspecções gerais, autarquias, ou mesmo, associações de consumidores como a DECO.

Para uma melhor análise dos dados recolhidos ao longo de 2017, dividi a análise destas participações em duas tabelas: a Tabela 1, relativa aos assuntos principais que constituem o objecto principal das participações e a Tabela 2, relativas a assuntos laterais/ secundários constantes dessas mesmas participações.

Assim, começando pela Tabela 1, destacaria como assuntos mais visados nas participações os seguintes:

– Motivos clínicos;
– Publicidade em saúde;
– Incumprimento de Deliberações do CDD (nomeadamente o “incumprimento da deliberação do termo de prestação de serviços entre médicos dentistas e clínicas” e o da “recusa da entrega dos meios auxiliares de diagnóstico ao doente”)
– Questões contratuais e/ou financeiras.

Concretamente, no que diz respeito aos motivos clínicos, foram recepcionadas 116 participações de doentes relacionadas com a insatisfação pelos tratamentos prestados por médicos dentistas. Neste conjunto de participações, os doentes manifestaram o seu desagrado pela prestação de tratamentos dentários desadequados, com o objectivo de responsabilizar o profissional pelos actos praticados, dos quais, em muitas situações, resultaram danos corporais permanentes.

Um outro conjunto alargado de participações relaciona-se com a violação das normas que regem a publicidade em saúde. Recebemos, e naturalmente provenientes na sua maior parte de médicos dentistas, 51 participações.

O terceiro assunto identificada relaciona-se com o incumprimento de deliberações do CDD relacionadas com o termo de prestação de serviços entre médicos dentistas e clinicas (12) e com a recusa na entrega dos meios auxiliares de diagnóstico (MAD) ao doente (10).

Por fim, o último tema destacado está diretamente relacionado com questões contratuais e/ou financeiras no âmbito da prestação de serviços de medicina dentária.

Na tabela que apresento abaixo (Tabela 1), as quatro áreas acima indicadas encontram-se destacadas a vermelho.

Tabela 1

 

Nota-se também a existência de participações relacionadas com a falta de pontualidade dos horários das consultas e conflitos de posições e agressões físicas e/ou verbais entre doentes e médicos dentistas.

No que diz respeito às questões contratuais/financeiras, nomeadamente no que diz respeito a incumprimentos, compensações, indemnizações ou devolução de pagamentos, as mesmas não se enquadram diretamente no foro disciplinar do CDD, as quais terão necessariamente que ser dirimidas nos meios judiciais e extrajudiciais competentes.

De destacar a existência de um número considerável de participações relacionadas com a falta de solidariedade profissional entre médicos dentistas (11), na vertente do incumprimento dos deveres de urbanidade, confiança, cooperação e de pronúncia sobre tratamentos realizados por colegas.

Conforme referido, a Tabela 2 é relativa a um conjunto de assuntos que sem constituírem o objecto principal das participações, resultam da sua análise em 2017, tais como: incompatibilidade do doente com os funcionários / médicos dentistas; violência verbal ou física; incentivo ao exercício ilegal da medicina dentária; criação de falsas expectativas ou garantias de tratamentos.

Tabela 2

 

Ainda quanto à Tabela 2, verificou-se a existência de participações onde há menção, por parte do doente, que existiu o abandono de doentes (25), resultante de situações de falta injustificada por parte do profissional em garantir a continuidade da assistência clínica ao doente, ou então mudança ou encerramento de clínica.

Agora, analisando somente as participações efetuadas em que são os motivos clínicos a razão que move os doentes à participação, dividimos pelas áreas da medicina dentária e refletimos esses números para uma Tabela 3, permitindo constatar quais as áreas mais visadas nas participações.

Tabela 3

 

Assim, é de destacar a área da cirurgia oral em que contabilizamos 48 participações entre as 116, e das quais 34 estão relacionadas com implantes, o que representa 29,31% do total das participações, seguido da prostodontia com 28 casos, 24,13%, e da ortodontia com 17 casos, 14,65%. Diria que são estas as áreas que envolvem despesas económicas mais avultadas por parte dos doentes.

Não tenhamos dúvidas que a competência profissional é muito importante para evitar situações deste género.

Daí ser interessante ter o conhecimento que do total das 116 participações por motivos clínicos, 13 participações concentraram-se em 3 médicos dentistas e destas 13, 6 tiveram como alvo um só médico dentista.

No que toca às participações recebidas respeitantes à violação das normas que regem a publicidade em saúde (v. Tabelas 1 e 4), foram recepcionadas 51, todas elas apresentadas por médicos dentistas.

Tabela 4

 

Nesta matéria de publicidade, cumpre recordar também, as atribuições da ERS consagradas no regime jurídico das práticas de publicidade em saúde (Decreto-Lei nº238/2015, de 14.10) ao abrigo do qual, aliás, a OMD tem denunciado publicamente, vários tipos de publicidade em saúde.

Como a Tabela 4 demonstra, o maior número de participações sobre publicidade dizem respeito à divulgação de tratamentos gratuitos. Recorde-se que este tipo de publicidade coloca em causa o disposto no artigo 104º, no 10 do Estatuto da OMD, o qual estabelece expressamente que à realização de um ato médico dentário corresponde uma contraprestação pecuniária, bem como o artigo 22º nº1 do Código Deontológico onde se lê que a medicina dentária é por natureza uma atividade onerosa.

Porém, é preciso reforçar aos colegas que a fixação e divulgação de preços de um ato médico dentário, terá que ter em conta a importância, complexidade e dificuldade dos cuidados prestados, o tempo gasto e os custos inerentes (Artigo 22º do Código) sendo uma decisão que cada médico dentista terá que tomar perante cada tratamento em concreto.

Ainda de acordo com a Tabela 4, verifica-se que na divulgação da atividade profissional, uma das ocorrências mais comuns relaciona-se com a utilização indevida de títulos de especialidade por parte de médicos dentistas ou divulgação de especialidades inexistentes na medicina dentária por parte das clinicas dentárias.

Como foi dado a conhecer, estes números agora disponibilizados refletem os problemas geradores de conflitos que ocorrem na medicina dentária e a importância do papel que o CDD tem na mediação de conflitos, sejam estes entre doentes e médicos dentistas, sejam entre médicos dentistas.

Luís Filipe Correia
Presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina

Artigo publicado originalmente na Revista OMD nº 36 (2018 janeiro)