O médico dentista dinamarquês falou das razões que o levaram a candidatar-se ao cargo e da sua visão para o CED. Refletiu ainda sobre os desafios com que os vários países se deparam e deixou conselhos importantes para a classe, desafiando-a a ser uma voz ativa na defesa da medicina dentária.

ROMD – Foi eleito presidente do CED em novembro do ano passado. O que representa para si e para a Dina- marca este cargo? O que o motivou a candidatar-se?

FSL – Sinto-me verdadeiramente honrado e orgulhoso por me ter sido confiada esta grande responsabilidade, pelos membros do Conselho Europeu de Dentistas (CED). Para mim, esta posição assenta na defesa das prioridades para a medicina dentária e ao mesmo tempo assegurar um bom equilíbrio entre a política e a legislação europeia e nacional. O meu objetivo e esperança para o futuro é que o CED continue a ser, em toda a Europa, um líder na promoção de altos padrões de cuidados de saúde oral e de uma efe- tiva prática profissional, centrada na segurança do paciente. Foi isso que também motivou a minha candidatura à presidência.

No que respeita a medicina dentária, a Dinamarca tem estado na vanguarda do progresso em áreas como a E-Saúde e a Associação Dentária Dinamarquesa continua a estar altamente empenhada e ativa enquanto membro do CED. Este é um dos pontos fortes do CED: a capacidade de união enquanto membros, com perspetivas e conhecimentos de diferentes nacionalidades, que contribuem para a melhoria contínua da profissão de médico dentista e da saúde pública como um todo.

ROMD – Quais são as metas e prioridades a que se propôs para este mandato?

FSL – Para este mandato gostaria de assegurar que o diálogo com as instituições europeias permaneça ativo e consistente, de modo a garantir que qualquer legislação relevante promova a saúde oral e que não resulte em burocracia excessivamente onerosa e em implicações negativas, quer para os pacientes, quer para o médico dentista. Esta questão também está a ser objeto de debate no que concerne o papel da saúde: é importante preservar o equilíbrio da balança entre o poder e a responsabilidade na saúde pública, tanto a nível nacional, como da UE, nomeadamente face às lições aprendidas relativamente à pandemia da COVID-19.

Questões específicas que serão prioritárias durante este mandato são a E-Saúde (por exemplo, com a recém lançada proposta de regulamento relativo ao Espaço Europeu de Dados de Saúde e as suas implicações para os profissionais de saúde), mas também os materiais dentários e dispositivos médicos, nos quais a regulação continua a ter impacto na medicina dentária. Outras questões prioritárias são a medicina dentária corporativa, a disponibilidade de materiais como o cobalto, o papel geral da medicina dentária na sustentabilidade e meio ambiente. Também nos estamos a debruçar sobre o tema do amálgama dentário, uma vez que a legislação da UE sobre o mercúrio encontra-se igualmente em processo de revisão. Diante da futura revisão da Diretiva de Qualificações Profissionais, a formação clínica de jovens dentistas continua a ser uma prioridade crucial.

ROMD – Podemos afirmar que a Assembleia-Geral do Porto, em maio, ficará na memória como a reunião de estreia enquanto líder dos médicos dentistas europeus. Que balanço faz desta assembleia? Após dois anos de pandemia, esta primeira assembleia de 2022 assume maior importância para o CED e o futuro da profissão na Europa?

FSL – Estou orgulhoso e satisfeito com a realização da Assembleia-Geral no Porto e sou grato à Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) pela sua hospitalidade e organização. Gostaria também de exprimir a minha gratidão ao bastonário da OMD, Miguel Pavão, pelo seu compromisso exemplar e dedicação à me- dicina dentária como um todo, e pela colaboração incansável nesta bem-sucedida reunião.

A Assembleia-Geral proporcionou um importante impulso e uma nova energia para avançar e progredir nas prioridades da medicina dentária. Foi também um autêntico prazer poder conviver e interagir pessoalmente, após dois anos pandémicos. Além disso, tivemos a honra de receber a Associação para a Educação de Medicina Dentária na Europa e a Associação Europeia de Estudantes de Medicina Dentária como convidados durante o encontro.

A Assembleia-Geral do Porto de 2022 foi muito produtiva e ofereceu a oportunidade de partilhar informações sobre desenvolvimentos que têm impacto nos médicos dentistas a nível nacional – incluindo a implementação de legislação nacional e europeia, as mudanças no financiamento da saúde oral e da formação de médicos dentistas, desenvolvimentos na E-Saúde, bem como o impacto da COVID-19 na medicina dentária e nas atividades de apoio aos médicos dentistas e, de forma mais ampla, na população em geral que sofre as consequências da guerra na Ucrânia. De particular interesse foram as questões do mercado de trabalho, uma vez que alguns países relataram escassez nacional ou local de médicos dentistas, enquanto outros países viram o número aumentar.

Esta reunião destacou tudo o que já foi alcançado, mas também tudo o que precisa ser feito: legislação, políticas e fatores externos que têm impacto na medicina dentária estão em constante evolução e a profissão tem de continuar ágil e empenhada para que consiga vencer estes desafios.

ROMD – Sendo uma organização que representa os médicos dentistas da União Europeia, como definiria o papel e o trabalho do CED e o seu impacto no exercício profissional dos vários países membros?

FSL – O CED é uma associação europeia sem fins lucrativos que re- presenta mais de 340.000 médicos dentistas em toda a Europa, através dos diferentes organismos nacionais. É importante sublinhar que a adesão não está aberta a médicos dentistas individuais, mas apenas a associações nacionais e ordens profissionais que estão habilitadas a representar os médicos dentistas do seu país. Sendo assim, o CED é composto por 33 associações e ordens de médicos dentistas de 31 países europeus. As associações de 26 países-membros da UE são mem- bros plenos. O Reino Unido, a Noruega, a Islândia e a Suíça são membros afiliados, e a Albânia é país observador.

Dada a sua natureza como organização composta por associações e ordens nacionais de médicos dentistas, o CED representa a profissão através da mo- nitorização da evolução das políticas, influenciando o processo legislativo e garantindo que a regulação seja equilibrada e proporcional. Além disso, somos agora um stakeholder totalmente reconhecido na EMA (Agência Europeia de Medicamentos) e aguardamos processo similar no ECDC (Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças). Estas participações permitem que possamos partilhar o nosso conhecimento sobre o controlo de infeções e segurança do paciente na medicina dentá- ria e influenciar as diretrizes e recomendações relevantes.

A nível europeu, o CED disponibiliza o seu saber e experiência às instituições da União Europeia, desde as áreas da saúde e proteção do consumidor, formação, segurança no trabalho até à legislação relativa ao mercado interno, entre outros. De igual modo, o CED estabelece uma plataforma de partilha de informação entre as diversas associações nacionais dentárias e apoia as mesmas na compreensão e implementação de legislação da UE.

ROMD – A OMD tem sido uma voz ativa na organização? Como descreveria os contributos dos portugueses para a profissão a nível europeu?

FSL – É uma honra ter a OMD como membro do CED. Os nossos colegas portugueses são muito ativos e dedicados. A experiência que trazem para os grupos de trabalho e reuniões do CED é inestimável. Como presidente do CED, gostaria ainda de prestar uma menção pessoal e expressar a minha gratidão ao Dr. Paulo Melo pelo seu contributo ao longo de todos estes anos no Board do CED e como presidente do Grupo de Trabalho do CED Formação e Qualificações Profissionais.

Como membro do CED, o trabalho incansável da OMD assevera que os interesses dos médicos dentistas portugueses sejam representados e que a medicina dentária como profissão liberal seja defendida, quer a nível nacional, quer europeu. É difícil resumir em poucas frases, décadas de estreita colaboração – a OMD e os seus profissionais experientes têm sido indispensáveis em questões como a formação e qualificações profissionais, o mercado interno, os desafios no mercado de trabalho, o papel da medicina dentária na saúde pública, entre outros.

 

ROMD – Quais são os grandes desafios que a medicina dentária europeia enfrenta?

FSL – A medicina dentária enfrenta vários desafios e é importante destacar que as situações diferem de país para país. De modo geral, a população europeia envelhecida leva a históricos médicos mais complexos e tratamentos diferentes. Adicionalmente, existe uma pletora de questões relacionadas com o mercado de trabalho. A profissão de médico dentista é cada vez menos apelativa para os jovens e existe a expectativa de trabalharem em grandes clínicas (em oposição às clínicas mais pequenas com um único médico dentista). Com a constante evolução na tecnologia, as competências digitais e o conhecimento de novas formas de prestar tratamentos estão com elevada procura, enquanto, por um lado, e há uma redução generalizada nos investimentos em formação na medicina dentária.

ROMD – O Brexit trouxe desafios acrescidos. Como é que este processo está a afetar os profissionais europeus que trabalham neste país?

FSL – Atualmente, os médicos dentistas europeus podem inscrever-se no Reino Unido, com base nas suas qualificações europeias. Contudo, precisam de visto de trabalho se não tiverem estatuto de residente permanente. As condições para a obtenção do visto são normalmente acessíveis.

O processo Brexit trouxe várias alterações e desafios e registou-se de facto um decréscimo nos médicos dentistas provenientes da UE registados, no último ano. Este decréscimo poderá estar igualmente relacionado com a pandemia da COVID-19, que levou muitos prestadores de cuidados orais a regressarem ao seu país de origem, de modo a ficarem mais próximos das suas famílias durante estes tempos desafiantes. Para além das implicações pandémicas, a escassez de médicos dentistas no serviço nacional de saúde (NHS) do Reino Unido também se deve ao facto de muitos terem deixado o NHS para enveredar pela prática privada. É importante salientar que os médicos dentistas da UE que se encontravam no Reino Unido antes do final de 2020 foram convidados a submeter o pedido de residente no âmbito do EU Settlement Scheme. Este sistema per- mitia permanecer no Reino Unido de forma permanente.

ROMD – Que mensagem e conselhos gostaria de deixar para os médicos dentistas portugueses?

FSL – Atualmente, a profissão de médico dentista mantém a importância crucial na saúde pública, mas também existem muitos desafios que todos os atuais e futuros profissionais en- frentam. Devemos todos permanecer ágeis, empenhados e informados, assegurando, assim, que a voz da profissão seja ouvida em alto e bom som a todos os níveis. Incentivo todos os colegas a se envolverem, especialmente através das suas organizações dentárias locais e nacionais.

Devo também reconhecer que os últimos anos trouxeram alguns novos desafios para a profissão, para os pacientes e para a sociedade. É minha esperança e desejo para o futuro que todos os colegas continuem a sua incansável dedicação à nossa fantástica profissão e que todos nós possamos emergir mais fortes, olhando para o passado para construir o futuro da medicina dentária.

Artigo publicado originalmente na Revista OMD nº 52 (2022 julho).