Esta semana, a 12 de maio, celebrou-se o Dia Mundial da Saúde Periodontal. É uma iniciativa da Federação Europeia de Periodontologia (EFP), à qual Portugal se associa através da Sociedade Portuguesa de Periodontologia e Implantes (SPPI), e tem como objetivo de sensibilizar para os riscos associados à periodontite. A OMD foi falar com a presidente da SPPI, Susana Noronha, para perceber de que forma os médicos dentistas podem no seu dia-a-dia contribuir para prevenir a doença e para travar ou identificar precocemente a sua evolução.

OMD – A doença periodontal é a 6ª patologia mais prevalente no mundo e afeta cerca de 50% da população mundial. Quais as razões subjacentes a este cenário?
SN – Efetivamente, a doença periodontal é uma patologia muito frequente. Cerca de 50% dos adultos têm periodontite e, desses, 10 a 15% têm situações de periodontite severa. Um dos fatores que pode estar subjacente a este cenário é o facto de estas doenças serem silenciosas, ou seja, vão evoluindo sem grandes queixas ou sinais, pois não estão associadas a dor. Portanto, não levam os pacientes a procurarem o seu diagnóstico e tratamento, junto do médico dentista. Por isso, na minha opinião, terá que haver uma aposta importante no diagnóstico precoce e na prevenção. Esse é, provavelmente, o ponto essencial para conseguirmos não só travar e controlar a progressão da doença de uma forma mais precoce, mas também conseguir diminuir a prevalência que tem neste momento no mundo.

Podemos afirmar que não há saúde geral sem saúde periodontal? De que forma esta patologia influencia ou quais são as suas implicações em outras doenças crónicas não transmissíveis, como é o caso da diabetes?
Podemos, a doença periodontal é a doença crónica não transmissível mais frequente nos humanos. Não podemos dissociar a saúde oral da saúde geral por duas razões. Por um lado, porque o indivíduo é um todo e, por outro lado, porque há uma relação direta entre as patologias da cavidade oral e as patologias sistémicas.

A diabetes não controlada é fator de risco para a periodontite e isto quer dizer que a relação direta entre ambas está comprovada, ou seja, nestes casos há uma progressão exacerbada da doença periodontal, que resulta numa dificuldade em obter resultados no tratamento e na possibilidade de recidivas. Outras doenças sistémicas que também estão relacionadas são as cardiovasculares e outras patologias crónicas. Por exemplo, há literatura que a relaciona com a doença de alzheimer.

Estudos recentes apontam complicações associadas à COVID-19…
Publicou-se um artigo a esse respeito que, de alguma forma, mostrou associação entre a periodontite e as complicações por COVID-19. É um estudo preliminar, que envolveu cerca de 500 pacientes e chegou à conclusão que os doentes com periodontite têm um aumento da probabilidade de virem a sofrer complicações, nomeadamente 3,5 vezes mais de serem admitidos em cuidados intensivos, 4,5 vezes mais de precisar de ventilação e nove vezes mais de perder a vida.

Apesar de não estar completamente esclarecido qual é o mecanismo que explica esta relação, tal poderá estar relacionada com a aspiração de bactérias que estão na cavidade oral e que podem de alguma maneira passar para os pulmões. Mesmo que esta associação não esteja totalmente estabelecida e sejam necessárias mais investigações, temos já a informação de que efetivamente devemos ter um cuidado especial e definir programas de manutenção periodontal nesses grupos.

A pandemia e o consequente adiamento de muitas consultas vieram agudizar a prevalência desta doença?
O cancelamento ou adiamento de consultas pode ter uma influência direta na evolução destas doenças. Por um lado, porque atrasa um eventual diagnóstico precoce e a prevenção. Por outro, porque há doentes que já iniciaram o tratamento e a sua interrupção ou um tratamento incompleto têm um efeito negativo nos resultados que são esperados e, portanto, pode estar associado a uma perda de dentes que não era expectável que acontecesse se existisse um tratamento adequado.

Depois, pode haver um impacto na saúde geral, nomeadamente nos doentes com outras patologias crónicas que têm uma relação próxima com as doenças periodontais, como a diabetes e as doenças cardiovasculares. Em suma, o cancelamento de consultas a vários níveis pode ter provocado resultados menos positivos no diagnóstico precoce, nos resultados do tratamento e na prevenção da doença periodontal.

Estamos a pagar o preço pela inação dos governos e pela ausência de políticas de saúde direcionadas para a saúde oral?
Há estratégias de abordagem da saúde oral que não são ainda as necessárias para conseguirmos chegar aos resultados que pretendemos. Não estão só relacionadas com a quantidade de ações, mas também com o foco na prevenção e não no tratamento, quando a doença já existe. Prevenir que as doenças apareçam é crucial e é para este ponto que as estratégias dos governos e das políticas de saúde deveriam ser direcionadas.

De que forma o médico dentista pode, no seu dia-a-dia, contribuir para a redução da doença periodontal?
O médico dentista pode no seu dia-a-dia contribuir para o controlo da doença periodontal e esclarecimento do doente. Há vários pontos a considerar. Em primeiro, informar. Acho que é essencial, pois só um doente esclarecido é que consegue de alguma maneira ajudar-nos no tratamento, porque este é feito em conjunto, e é crucial para conseguir resultados positivos.

Depois, o médico dentista deve motivar o doente para o adequado controlo de placa bacteriana. As doenças periodontais são provocadas por placa bacteriana e a sua eliminação é feita diariamente em casa. Ora, a motivação para essa tarefa é importantíssima, porque só assim conseguimos diariamente eliminar as bactérias e ter uma placa bacteriana com equilíbrio, que não chegue a provocar doença.

Terceiro ponto, estimular o paciente para eliminar hábitos que estão diretamente relacionados com a progressão das doenças periodontais. O tabaco, por exemplo, é um dos fatores de risco comprovado. E, portanto, fará também parte do papel do médico dentista estimular o seu doente à cessação tabágica.

Em quarto, desmistificar é igualmente importante. Sabemos hoje que não é uma doença genética ou hereditária, é uma doença que tem tratamento, embora seja para toda a vida. Mitos como “se é uma doença hereditária ou genética não há nada a fazer, vou acabar por perder todos os dentes” ouvem-se menos, mas só um doente esclarecido percebe que esta afirmação não corresponde ao conhecimento científico atual.

Por outro lado, fazer um diagnóstico clínico complementado com exames radiográficos permite detetar uma doença periodontal numa fase inicial, passível de ser tratada e controlada com tratamentos mais conservadores. Por último, o médico dentista tem o papel de tratar adequadamente cada doente que tenha ou gengivite ou periodontite. Para ter bons resultados, este é feito com colaboração do doente, mas é essencial planear bem a parte ativa desse tratamento no consultório e, terminada esta intervenção, é fundamental seguir uma fase de manutenção, que se estende pelo longo da vida e que mantém os resultados obtidos pelo tratamento, prevenindo assim alguma recidiva.

Que iniciativas estão a desenvolver para assinalar o Dia Mundial da Saúde Periodontal e como é que os médicos dentistas podem aderir à celebração deste dia?
Nos últimos anos, outros países que não pertencem diretamente à EFP aderiram a esta iniciativa, alargando assim o leque de nações que celebram este dia. A SPPI tem, desde 2017, desenvolvido iniciativas neste dia. Este ano, a mensagem é “as doenças periodontais podem ser prevenidas”. Tendo em conta o contexto pandémico, não nos foi possível fazer campanhas de rua. No entanto, há um mês iniciámos uma campanha nas nossas redes sociais e estamos a promover vídeos de periodontologistas, que comentam temas relacionados com o diagnóstico ou tratamento da doença. Temos hoje uma campanha nos meios de comunicação social, com o objetivo de chegar à população, que é a principal destinatária deste dia.

Convido assim todos os médicos dentistas a aderirem a esta data, acompanhando e partilhando as iniciativas que estão a ser divulgadas no nosso Instagram, em https://www.instagram.com/perioportugal/.