“Tenho orgulho na minha boca”. Este foi o mote escolhido pela Federação Dentária Internacional (FDI) para comemorar o Dia Mundial da Saúde Oral 2021. Para assinalar a data, a Ordem dos Médicos Dentistas debateu o estado da saúde oral em Portugal.

Num evento organizado em parceria com o jornal Público, no passado sábado, 20 de março, a OMD envolveu a classe e a sociedade em geral na discussão da “Saúde Oral – Avaliar a pandemia, projetar o futuro”. Na abertura da sessão, o bastonário, Miguel Pavão, deixou claro que “investir em saúde oral é querer mais e melhor para os portugueses”, não esquecendo que “proteger os médicos dentistas é salvaguardar a saúde oral dos portugueses” os cuidados prestados à população. Em jeito de balanço do atual panorama, definiu a meta que se coloca à sociedade no seu todo: que “tenhamos todos orgulho na nossa boca e nos médicos dentistas” e que se faça “mais pela saúde oral”.

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, participou também na sessão, na qual revelou existir a “ambição de desenvolver um novo programa para promover a saúde oral”, aproveitando naturalmente “as potencialidades do Plano de Recuperação e Resiliência”. “É este desafio que nos espera, recordando de onde viemos, o percurso que fizemos, as dificuldades que temos, aquelas que tivemos acrescidas em 2020 e olhar para a frente”, afirmou, reiterando que este trabalho decorrerá “sempre” através da cooperação intersetorial.

O presidente da FDI aproveitou para falar dos objetivos estabelecidos pelo recém-apresentado relatório “Visão 2030: Oferecendo a melhor saúde oral para todos”. Gerhard Seeberger sustentou que “a saúde oral [em todo o mundo desenvolvidos] não surge da multiplicação do número de médicos dentistas, mas sim do investimento em sistemas de saúde responsivos”, salientado que esta área não pode ser encarada como “um apêndice”, “mas sim uma verdadeira prioridade”.

 
Vídeo integral da transmissão do Dia Mundial da Saúde Oral 2021:

 

Especialistas em medicina dentária e políticas de saúde

Alargamento da atribuição dos cheques-dentista a mais camadas das populações desfavorecidas, aposta definitiva na maior proximidade dos profissionais de saúde oral, nomeadamente nos centros de saúde, e uma melhor articulação entre os setores público, privado e social. Estas foram algumas das ideias que saíram do debate que reuniu especialistas em medicina dentária e em políticas de saúde.

No primeiro painel, “A pandemia nas políticas de saúde oral e o papel dos profissionais”, António Mano Azul, médico estomatologista e Chief Dental Officer de Portugal, José Frias Bulhosa, médico dentista e membro do Conselho Deontológico e de Disciplina da OMD, Mónica Pereira Lourenço, médica dentista e vogal do Conselho Diretivo da OMD, e Fátima Duarte, higienista oral e presidente da Associação Portuguesa de Higienistas Orais, conversaram sobre o estado do setor e do papel dos médicos dentistas.

Falou-se de precariedade, de literacia, de vacinação e dos desafios que a profissão enfrenta. Citando um estudo realizado aos jovens médicos dentistas, Mónica Pereira Lourenço alertou para o facto de “25% dos médicos a recibos verdes” terem sido “despedidos durante a pandemia” e criticou a baixa inserção da classe no SNS, que está muito aquém das necessidades. “Devíamos estar a fazer prevenção [de doenças orais], mas como não estamos integrados numa unidade de saúde é complicado”, explicou, acrescentando que o atual contexto epidemiológico agudizou vários problemas. Por exemplo, no estudo realizado, 40% dos profissionais admitiram ter praticado atos clínicos gratuitos durante este período.

José Frias Bulhosa fez notar que, no caso da vacinação da classe, o processo “está muito aquém do desejado”, assim como a comunicação entre as autoridades de saúde no que concerne o encaminhamento dos doentes para o médico dentista. “Está um bocado desvirtuado, numa suposta e troglodita hierarquia de profissões”, constatou. Visão corroborada por António Mano Azul, que apontou falhas a todos os envolvidos no processo, desde as administrações regionais de saúde, passando pelos diretores dos centros de saúde e pelos médicos de família, o que faz com que vários doentes com problemas associados à saúde oral “nunca cheguem ao médico dentista”.

Por fim, a presidente da Associação Portuguesa de Higienistas Orais, Fátima Duarte, sugeriu a necessidade de se disponibilizar mais literacia em saúde oral, uma vez que “se houver prevenção e mais organização, é possível fazer muito melhor”.

Plano de Recuperação e Resiliência

“A saúde oral perante o Plano de Recuperação e Resiliência” é o ponto de partida para a troca de ideias entre Alberto Machado, deputado à Assembleia da República, Manuel Pizarro, deputado ao Parlamento Europeu, Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, e Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada.

O cheque-dentista, a sua importância e o necessário alargamento, sobretudo a quem tem menores rendimentos, foi um dos temas que reuniu consenso entre os participantes. Quanto ao plano do Governo de alargar os cuidados de saúde oral aos centros de saúde, tanto Alberto Machado, como Manuel Pizarro, concordam que é imperioso investir nos profissionais e criar as condições adequadas para o exercício profissional. Ana Paula Martins acrescentou ainda que, além de mais investimento no setor público, é necessária “uma melhor articulação entre o público e o privado, pois não podemos olhar para o modelo da saúde como olhávamos há 20 ou 30 anos”.

Os participantes concordaram que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é importante para alocar verba à saúde, mas não resolverá tudo e não pode ser encarado como o único plano. Além do mais, alertou Óscar Gaspar, “a parte negativa é que este PRR seja quase exclusivamente público, sendo que há cerca de 4,5 milhões de portugueses com acordos de saúde” extra-SNS.

O secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, encerrou o debate, deixando como contributo a importância de manter a articulação de esforços “entre os setores público, privado e social”, argumentando que os governantes estão “bem conscientes do que já foi alcançado, mas humildes para dizer que ainda há muito para fazer”.

Mensagem do bastonário, Miguel Pavão, no Dia Mundial da Saúde Oral: