O webinar “COVID-19 na Europa e a medicina dentária” criou uma “mesa redonda virtual” com médicos dentistas portugueses que exercem na Europa. Neste seminário, Liliana Gameiro, médica dentista na Holanda, Sérgio Araújo, médico dentista na Bélgica, e Mário Rodrigues, médico dentista em França recordaram os primeiros meses da pandemia, trocaram impressões sobre o cenário atual e apontaram previsões para o futuro.

Como é que a medicina dentária se adaptou aos tempos de pandemia?

No caso da Holanda, Liliana Gameiro indica que as clínicas e consultórios de medicina dentária nunca fecharam, porque sempre fomos “considerados profissão essencial”. A médica dentista revela que a maioria optou por manter a atividade em regime de urgência e que 12 clínicas foram preparadas para atender doentes COVID. Em maio, o país retomou o funcionamento normal. Explica que é feita uma triagem e que, atualmente, pacientes livres de sintomas ou recuperados do vírus podem “ser tratados normalmente”, sendo que não há grandes alterações nas rotinas. Aliás, embora as clínicas onde trabalhe tenham cuidados extra, as recomendações para estes profissionais em termos de equipamentos de proteção (EPI) resumem-se ao uso de “máscara cirúrgica tipo 2, viseira e bata”.

Também na Bélgica, no primeiro confinamento, em meados de março do ano passado, o encerramento dos consultórios dentários foi “facultativo”. Sérgio Araújo relata que no seu caso particular, a opção foi “continuar, vendo só casos de urgência”. Para tal, dos seis gabinetes existentes na clínica onde trabalha, funcionava um por dia e com atendimento a seis doentes, no máximo. O médico dentista esclarece que foi criada “uma lista de clínicas com EPI”, que “podiam ver um maior número de pacientes”. Essa listagem foi distribuída por todos os médicos dentistas para que pudessem encaminhar os pacientes.

Mário Rodrigues comparou o cenário francês com o português. Tal como em Portugal, as clínicas e consultórios de medicina dentária fecharam entre meados de março e maio de 2020, sendo os pacientes urgentes encaminhados para uma rede de clínicas criada para o efeito. Embora não pudessem exercer, os médicos dentistas em França continuaram nas clínicas a fazer a triagem dos doentes por telefone. Em outubro foi implementado um novo confinamento, “mas não fechámos”. “Continuámos a trabalhar com alguns cuidados”, acrescenta.

Quais os apoios disponibilizados à classe?

Sérgio Araújo recorda que, no primeiro confinamento, “como trabalhador independente foi-me atribuído um subsídio mensal”, respeitante aos meses de “março, abril e maio, salvo erro” e cujo valor calculado assentava em vários fatores, como o agregado familiar. A partir de abril de 2020, revela o médico dentista, passou a receber uma atribuição de “20€/ paciente para aquisição de EPI”, um financiamento que vai prolongar-se até agosto deste ano.

Liliana Gameiro esclarece que também na Holanda, até agosto do ano passado, foi “possível declarar um código para EPI”, que permitia à clínica obter o reembolso de 5€ por paciente. A médica dentista diz que teve conhecimento de algumas clínicas que receberam apoios para pagamento de salários, mas que no caso dos trabalhadores independentes havia um apoio destinado a quem apresentasse uma grande perda de rendimentos. E, tal como na Bélgica, este era atribuído em função do rendimento do agregado familiar.

Por outro lado, Mário Rodrigues indica que o Governo francês disponibilizou vários apoios. Os trabalhadores por conta de outrem receberam através do fundo de desemprego uma verba para os dias em que não trabalharam. Já os profissionais liberais, como é o caso deste médico dentista, existia a possibilidade de pedir à segurança social “até um valor de 80% do valor que tínhamos ganho no ano passado nos mesmos meses em que estávamos parados”. O médico dentista acrescenta que, de igual forma, na caixa de reforma “tivemos um apoio de 1500€ por mês” e o pagamento das prestações mensais foi adiado até agosto deste ano. Em França foi ainda possível alterar o pagamento especial por conta e o Estado criou um fundo de garantia, através do qual é possível pedir “25% do negócio bruto do ano anterior e pagar a partir de setembro deste ano com taxa 0”.

Como está a ser preparado o plano de vacinação?

No contexto belga, os médicos dentistas estão incluídos na segunda fase de vacinação, agendada para o próximo dia 15, entretanto adiada para 24 de fevereiro. Quem deseja ser vacinado, explica Sérgio Araújo, inscreveu-se através das associações de médicos dentistas. As assistentes e colaboradores que contactam diretamente com os pacientes estão incluídos nesta fase.

Quanto à Holanda, Liliana Gameiro revela que não há muita informação sobre o processo e que, talvez pelo facto de a taxa de infeção entre médicos dentistas ser muito baixa, “não se fala muito disso nas clínicas”. A vacinação está prevista arrancar em maio e, além dos médicos dentistas, deverá abranger na primeira fase os higienistas, técnicos de prótese e estudantes de medicina dentária. Ainda não se sabe se as assistentes serão incluídas, uma vez que não são consideradas profissionais de saúde.

Em França, a vacinação está em curso e Mário Rodrigues salienta que os médicos dentistas estão incluídos no grupo dos profissionais de saúde. O país começou por imunizar os maiores de 50 anos e quer ter a população vacinada até final de agosto.

Em matéria de testes rápidos de antigénio, nos três países, os médicos dentistas estão autorizados a fazê-los.

Qual o impacto da COVID-19 a médio prazo?

Na opinião de Sérgio Araújo, a principal mudança ocorrerá em matéria de planeamento. “A partir de agora, vamos ter que planear melhor as consultas e é uma das coisas que tento fazer no dia-a-dia após a COVID-19”, afiança. O médico dentista considera que daqui em diante “vamos perder mais tempo de cadeira, para higienizar e isso é dinheiro que perdemos”, pelo que o “planeamento é fundamental”. A realidade do país, descreve, é de valorização da saúde oral, em parte devido à ação do “Governo e das seguradoras”, que incentivam a visita anual ao médico dentista.

Liliana Gameiro é da mesma opinião de que o planeamento é uma mais-valia no cenário atual. Embora, reconheça, “não é nada de novo na Holanda porque tempo é dinheiro para os holandeses”. Razão pela qual “as agendas sempre foram muito organizadas”. A médica dentista considera que a pandemia não terá muito impacto neste país, já que “é normal ir duas vezes por ano ao médico dentista”, até porque o seguro de saúde é obrigatório neste país.

No caso francês, há “uma comparticipação dos tratamentos e, portanto, para nós profissionais de saúde as coisas são mais facilitadas”. Mário Rodrigues é da opinião que a prevenção e educação para a saúde, no futuro, “vão ser mais integradas nas clínicas”, assim como a telemedicina. Por outro lado, o médico dentista espera que a pandemia leve a classe a repensar a forma como se organiza e essa visão é válida para os franceses e portugueses.