Ao deter-me atentamente sobre a realidade da medicina dentária em Portugal – uma profissão que conquistou a sua autonomia e responsabilidade paulatinamente desde a sua criação, no início da década 80 do século passado, e enquanto profissão autorregulada reconhecida pelo legislador europeu e nacional -, é na qualidade de presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) que realizo aqui e agora o exercício de avaliação sobre as modificações radicais que se têm verificado nos suportes de interação e de diálogo social que vivencia- mos atualmente, nomeadamente e em primeiro lugar como cidadãos, mas também como profissionais altamente diferenciados e presentes no universo das redes sociais.

Nesta avaliação é inevitável ter uma visão integrada, como duas faces de uma mesma moeda:

  • A legitimidade de qualquer um poder expressar a sua opinião, liberdade essa adquirida no Estado democrático em que vi- vemos e da qual ninguém pode, nem quer, abdicar;
  • A pretensão de utilizar essa liberdade, subvertendo-a, com intuitos de deturpar a verdade ou mesmo atingir a honra de ou- trem, que terá que ser responsabilizada e deverá merecer as providências adequadas às circunstâncias do caso concreto.

Posto que ao exercício da função da regulação ética e disciplinar cabe, antes de mais, assegurar que a todos, sem exceção, são devidas as garantias e as liberdades de defesa dos direitos fundamentais da personalidade, seja a identidade individual de um médico dentista, seja a identidade coletiva da profissão ou ainda a da classe de profissionais, como um todo, corporizada na instituição que a representa e que por cada um de nós é representada, a OMD.

Essa regulação cabe, por Estatuto, ao CDD, que defenderá o direito de todos os médicos dentistas e responsabilizará aqueles que venham a violar essa mesma regulação, aplicando os mesmos direitos, mas também os mesmos deveres, de forma indistinta e enquanto profissionais iguais entre si, mas ponderada, justa e independente de qual- quer pressão ou poder já institucionalizado ou que venha a ser criado.

Devo, também, recordar que todos os associados da OMD são representantes da profissão e seus embaixadores.

A solidariedade interpares, a contribuição para o prestígio da profissão e dos seus pro- fissionais, a defesa do bom nome coletivo, indissociável do bom nome de cada um, através da postura cívica que assumimos em sociedade, em todas as circunstâncias da nossa vida, seja na utilização do digital ou do contacto pessoal com a comunidade, terão que merecer um posicionamento sé- rio por parte de todos os profissionais titulados, onde quer que estes se apresentem.

Esta seriedade deve ser pautada pela veracidade e rigor das afirmações que cada um decide proferir e cujo cumprimento deve ser conciliado com os ímpetos da velocidade digital.

Na verdade, a realidade global é fortemente concorrencial, mas não deve ser competitiva pelos piores meios e conteúdos, se e quando divulgados sem critério. O espírito crítico idóneo e credível deve continuar a ser apanágio da representação da profissão, para que ela seja e continue a ser reconhecida a muitos níveis.

Apelo a que todos os médicos dentistas participem nas atividades da OMD e se mantenham informados, porque não é só um de- ver estatutário, mas é um dever de cidadania que deve ser mantido e até incrementado.

No entanto, urge resistir a processos de degradação que os meios tecnológicos podem acelerar através de atos avulsos de desinformação. A era digital é falsamente solitária e ilusoriamente inconsequente. Os meios tecnológicos estão ao alcance de todos, mas acarretam as consequências típicas de toda a palavra proferida, seja pré ou pós-milénio, via postal, presencial ou digital. O impacto destas na vida de cada um não mudou na era digital. A dimensão desse impacto certamente até se agravou.

Assim, mais que nunca, o código de conduta profissional dos médicos dentistas deverá ser observado por todos os profissionais e aplicado através dos seus órgãos competentes, em conformidade com a Lei e as normas internacionais reconhecidas. À Ordem dos Médicos Dentistas cumpre honrar o artigo 37.o da Constituição da República Portuguesa, tanto quanto o artigo 10.o da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, como o artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
É fulcral não esquecer que à luz destes preceitos todos nascemos “livres e iguais em dignidade e direitos” e “dotados de razão e consciência”, devendo “agir uns para com os outros em espírito de fraternidade“.

Não vale a pena só revisitar as normas do Estatuto da OMD e do Código Deontológico sobre os deveres de recato, de defesa do bom nome e do prestígio da medicina dentária, como também deve-se transpor para a profissão os valores fundamentais da pessoa humana e da sã convivência em sociedade.

Será, por isso, importante sublinhar que independentemente do assunto visado nas redes sociais, os médicos dentistas que a elas recorrem devem ter sempre presentes um conjunto de regras e princípios éticos e deontológicos que resultam do Estatuto da OMD e do Código Deontológico, nomeadamente no que diz respeito à relação entre médicos dentistas e à relação destes com a OMD.

Luís Filipe Correia
Presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina

Artigo publicado originalmente na Revista OMD nº 44 (2020 janeiro)