Uma das questões importantes e fraturantes que muitas vezes são discutidas entre os médicos dentistas até à exaustão, prende-se com a matéria relacionada com os seus honorários. Quais os valores que devem ser considerados justos ou não para cada ato médico-dentário.

Esta discussão, obrigatoriamente, leva-nos ao ano de 2005, em que a Autoridade da Concorrência (AdC), na defesa estreita de uma atividade económica neo-liberal e onde a regulação é feita pelos próprios agentes, na base da oferta e procura, puniu todas as Ordens profissionais que tivessem em vigor tabelas de honorários, como foram os casos da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas ou da Ordem dos Arquitetos, só para dar alguns exemplos.

No caso da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), a tabela em vigor continha valores mínimos e máximos para os diversos atos médico-dentários, onde a livre concorrência, no nosso entender, estaria perfeitamente salvaguardada.

Mas esta nossa convicção não foi partilhada pela AdC, que autuou a OMD, considerando que a existência deste tipo de tabelas resultava numa promoção de uma ação lobista de defesa de classe e contrária aos interesses dos doentes e da livre concorrência.

No estrito cumprimento da ação punitiva empreendida pela AdC, a OMD, na altura, retirou imediatamente a tabela de honorários em vigor, apesar de ter pouca esperança que a filosofia conceptual económica intrínseca ao pensamento da AdC viesse a ter os efeitos positivos, o que infelizmente se comprovou.

Regressando agora à atualidade e no âmbito da medicina dentária, para a análise desta matéria da onerosidade dos atos clínicos, cabe-nos atender ao disposto no Estatuto da OMD (aprovado pela Lei nº 124/2015), no Código Deontológico da OMD, e demais legislação aplicável, como é o caso do regime jurídico das práticas de publicidade em saúde (Decreto-Lei nº 238/2015).

Desde logo, o nº 10, do artigo 104º do Estatuto da OMD, refere que à realização pelo prestador do ato médico dentário corresponde uma contraprestação pecuniária do destinatário dos serviços.
Por sua vez, no nº 1 do artigo 22º do Código Deontológico, estipula expressamente que medicina dentária é por natureza uma atividade onerosa.

O nº 2 do mesmo artigo 22º do Código Deontológico, refere que na fixação dos honorários o médico dentista terá em conta, nomeadamente, a importância, complexidade e dificuldade dos cuidados prestados, o tempo gasto e os custos inerentes.

Portanto não restam dúvidas que a prestação de serviços na medicina dentária é uma atividade onerosa, cabendo a cada médico dentista definir em concreto os seus honorários.
Chegados a esta conclusão, será que ainda faz sentido questionar se o médico dentista pode realizar e divulgar atos gratuitos de forma generalizada?

A resposta é encontrada no seguinte.

Há que atender ao que vem estipulado no artigo 22º, no 1 Código Deontológico da OMD em vigor, segundo o qual a gratuitidade da medicina dentária verifica-se em situações fundamentadas e sem carácter genérico e no artigo 104º, no 10 do Estatuto que faz até alusão ao regime de voluntariado e de ação social.

Por sua vez, no âmbito da divulgação da atividade profissional, o artigo 7º, nº 1, do regime jurídico das práticas de publicidade em saúde, da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), aplicável à medicina dentária, estipula que “são proibidas as práticas de publicidade em saúde que, por qualquer razão, induzam ou sejam suscetíveis de induzir em erro o utente quanto à decisão a adotar, designadamente”, na alínea f) “descrevam o ato ou serviço como «grátis», «gratuito», «sem encargos», ou «com desconto» ou «promoção», se o utente tiver de pagar mais do que o custo inevitável de responder à prática de publicidade em saúde.”

Com o conhecimento destas normas, facilmente se compreende que os atos que muitas vezes vemos divulgados como sendo gratuitos, como por exemplo, “diagnóstico médico”, “orçamento e explicação do plano de saúde integral”, “destartarização ou avaliação médica”, muitas vezes até relacionados com a primeira consulta de medicina dentária, constituem atos médico dentários, que são executados por profissionais qualificados e reconhecidos para tal pela Ordem dos Médicos Dentistas e porque, para os realizarem, necessitam de uma avaliação médica prévia do estado de saúde oral do doente: fazer-se um diagnóstico clínico correto para finalmente poder elaborar um plano de tratamento médico- dentário que vá no sentido de responder às reais necessidades do doente.

Todos estes atos anteriormente descritos, encaixam-se na definição legal de medicina dentária, a qual, segundo o disposto no artigo 8º, nº 1 do Estatuto da OMD se define como o estudo a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas.

Foi publicada a 23 de agosto de 2011, na 2ª série do Diário da República, a tabela de nomenclatura de atos em medicina dentária, em anexo ao Regulamento nº 501/2011, com o sentido de uniformizar a terminologia dos atos próprios da medicina dentária e a linguagem pelos múltiplos agentes do setor da saúde em Portugal

Nesta tabela, tal como consta do código A1.01.01.01, não se pode deixar de considerar que a primeira consulta em medicina dentária, mesmo que não configure qualquer tratamento ou intervenção, constitui em si mesmo, um ato de medicina dentária. Diríamos até porventura, o mais importante, pois é nesta fase que se define toda a estratégia de tratamento, a qual, naturalmente, o doente poderá concordar ou não.

Deste modo, tudo o que aponte – como acontece com muita frequência na divulgação da atividade profissional – para a realização de atos médico-dentários gratuitos de forma generalizada e sem fundamentação, é suscetível de contrariar, designadamente, as regras legais e regulamentares acima indicadas.

Posto isto, resta-me referir que as ações e iniciativas que o CDD tem vindo a desenvolver através da divulgação da informação e do exercício da função disciplinar, têm largamente contribuído para a uma melhor compreensão e aplicação dos princípios e regras aplicáveis na divulgação da atividade profissional da medicina dentária, para além destas e de outras questões estarem disponíveis para consulta no site da OMD, no setor da Deontologia, através das FAQ.

Luís Filipe Correia
Presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina

Artigo publicado originalmente na Revista OMD nº 40 (2019 janeiro)