Nos termos da Lei, as associações públicas profissionais (cfr. Lei nº 2/2013 de 10.01), como é a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), são entidades públicas de estrutura associativa, representativas de profissões que devem ser sujeitas a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido.

Entre as várias atribuições legais das associações públicas profissionais, consta o exercício do poder disciplinar sobre os respetivos membros.

No caso da OMD, cujo Estatuto foi aprovado pela Assembleia da República e que consta da Lei nº 124/2015, de 02.09, o exercício do poder disciplinar está atribuído ao Conselho Deontológico e de Disciplina (CDD), sendo da sua exclusiva competência a interpretação e integração das regras deontológicas, bem como o reconhecimento da responsabilidade disciplinar dos médicos dentistas por violação das mesmas.

No âmbito da função regulamentar da OMD, e muito recentemente, o CDD elaborou o Regulamento Disciplinar da OMD e desencadeou o processo de revisão do Código Deontológico que está atualmente em fase de aprovação pelo Conselho Geral.

Mas a atuação do CDD, mormente no que diz respeito ao exercício do poder disciplinar, pauta-se sempre, como não poderia deixar de ser, pelo cumprimento da Lei, particularmente a lei estatutária da OMD, a qual, como é do conhecimento público, sofreu importantes alterações em 2015.

Aliás, o Estatuto entrado em vigor em 2015, introduziu um conjunto de alterações significativas ao nível do exercício do poder disciplinar, nomeadamente ao nível do processo, que agora se desdobra em processo de inquérito, processo cautelar e em processo disciplinar e ao nível das penas disciplinares, para além das sanções principais já existentes, advertência, censura, multa, suspensão e expulsão, foi criado um conjunto de sanções acessórias.

Ao abrigo desse novo Estatuto foi ainda necessário elaborar e fazer aprovar um novo regulamento disciplinar, o qual consagra toda a tramitação da ação disciplinar.
Ora, toda a função disciplinar da OMD insere-se no âmbito do direito sancionatório, de acordo com a Lei, a qual, naturalmente consagra direitos e deveres de todos os intervenientes, imprimindo aos processos uma velocidade própria.

A decisão disciplinar final tem que ser fruto de uma averiguação e produção de prova ponderadas acerca dos factos reportados disciplinarmente.

Nos processos disciplinares, que são estatutariamente instaurados pelo presidente do Conselho Deontológico e em que é nomeado um relator entre os membros do Conselho, o médico dentista que desempenha as funções de relator, é responsável pela sua condução, pelo que deve promover todas as diligências consideradas essenciais para o apuramento da verdade, incluindo o direito de defesa do médico dentista visado, passando por audição de testemunhas e análise documental.

Diria que os processos disciplinares são necessariamente complexos, mas a natureza do direito sancionatório a isso obriga e envolve necessariamente uma apreciação de elevado rigor técnico.

De resto, a atividade do CDD, designadamente na vertente disciplinar, é anualmente referida no Relatório e Contas da OMD e ainda recentemente foi publicada na Revista da OMD no 36, o artigo “As participações recebidas no CDD no ano de 2017” que dá conta da diversidade do tipo de situações que chega ao CDD.

Naturalmente que tanto os participantes como os participados clamam justiça e, por conseguinte, há uma obrigação de rigor no apuramento da verdade.

Para além disso, os procedimentos disciplinares têm um tempo legal para que sejam finalizados.

Uma vez tomado conhecimento de uma participação, o CDD tem um ano para se pronunciar quanto ao sentido que dará a essa participação, se arquivamento liminar, se processo de inquérito, cautelar ou disciplinar, e caso tenha sido instaurado um processo disciplinar, este prescreve no prazo de cinco anos a contar da prática do ato, ou do último ato em caso de prática continuada (Art. 76º do EOMD). Se a infração constituir simultaneamente infração criminal estará sujeita a um prazo mais longo, e a prescrição ocorrerá após o decurso deste prazo.

Este tempo legal e natural para apuramento dos factos, aliado ao tempo de maturação para a decisão final a tomar por parte do relator responsável do processo, leva a que muitas vezes se evidencie uma insatisfação e incompreensão por alguma morosidade destes processos. Aliás, a pendência processual é inerente a qualquer órgão ou organismo com poderes disciplinares e sancionatórios.

Quem recorre a este tipo de mediação quer uma resposta rápida, mas temos que reconhecer que nem sempre uma justiça rápida é necessariamente a melhor. O que deve ser evidenciado é a importância em apurar a verdade e proferir uma decisão ponderada, aplicando a lei de forma adequada, sem protecionismos injustos. Por isso as instituições têm que ser principalmente rigorosas, competentes e assertivas nas suas decisões, apesar de não poderem descurar o fator tempo na conclusão das suas decisões, até para que não haja um desfasamento temporal entre a prática do possível ilícito e a decisão final com a respetiva pena disciplinar aplicada, retire a importância do fator corretivo e pedagógico que o julgamento do processo pretende aplicar.

O prazo médio de resolução de um processo disciplinar na Ordem dos Médicos Dentistas tem sido de um a três anos, consoante o grau de complexidade da matéria em análise, que entre as três formas de ação disciplinar previstas estatutariamente é a que pode levar à aplicação de uma sanção disciplinar.

Cumpre, também, referir que ao abrigo do disposto no artigo 101, nº 1 do Estatuto, as decisões relativas à aplicação disciplinar ficam sujeita à jurisdição administrativa, podendo recorrer aos tribunais administrativos.

Certo é que ao longo dos anos que participo como elemento do Conselho Deontológico, esta prerrogativa foi na verdade utilizada por alguns colegas que não se conformaram com a aplicação de sanção disciplinar, mas importa aqui e agora realçar e com meu agrado, que as impugnações em sede de tribunais administrativos até ao momento apresentadas, têm vindo, na sua maioria, a dar razão às decisões do CDD, o que demonstra a competência dos elementos que o constituem, assim como do Departamento Jurídico da OMD que o assessora.

Isso dá credibilidade à entidade que decide e regula uma profissão, como dá segurança à classe profissional que por ela é representada, através da existência de um órgão disciplinar competente e justo.

Entretanto, igual cenário seria desejável nas demais entidades com poderes disciplinares ou sancionatórios para bem de uma justiça de todos e para todos.

Na área da saúde não se verifica apenas a intervenção dos órgãos disciplinares das respetivas classes profissionais. Há outros organismos que o fazem, como é o caso da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que é uma entidade pública independente cujo objetivo principal é o de regular a atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde e a defesa do utente de saúde, de supervisionar os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde no que respeita a requisitos para o exercício da atividade, nos direitos de acesso aos cuidados de saúde e dos demais direitos dos utentes, na legalidade e transparência das relações económicas entre os diversos operadores, na regulação da concorrência e da publicidade no sector da saúde.

Dentro do estreito legal poder de regular a matéria de publicidade foi para esta entidade reguladora, ERS, enviados diversos ofícios e comunicações por parte da OMD, respeitantes a publicidade em saúde alegadamente desconformes com a legislação em vigor, visando várias entidades.

O mesmo procedimento foi também tomado com a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) quando se tratou de situações relacionadas com a promoção e publicitação de serviços da saúde através destes meios e que segundo o parecer da OMD, foram ultrapassados os limites legais permitidos.

Na verdade, temos assistido a publicidades que têm posto em causa a ética e deontologia de uma classe profissional, onde por vezes são os próprios profissionais a colocarem em causa a credibilidade dessa mesma classe, muitas delas têm vindo ser reportadas à OMD pelos próprios médicos dentistas.

Perante o conhecimento deste tipo de situações, a OMD tem reencaminhado na altura certa para as entidades competentes consoantes os casos, ERS e/ou ERC, mas vê com desagrado, que não se tem verificado a capacidade destas, em tempo útil, obterem um desfecho final das averiguações desencadeadas na sequência destas denúncias.

Veja-se a este propósito a ERC, a quem a OMD apresentou uma denúncia em 2013, com respeito à rubrica “Portugal a Sorrir”, do programa de televisão “Você na TVI”, transmitido na TVI e cujos procedimentos de regulação ainda estão em curso.

Esta falta de atuação é gritante até porque em Julho de 2016, na leitura de uma notícia publicada no portal eletrónico do jornal “Público”, dei conta de uma notícia referente à aplicação de uma coima à TVI, em que a ERC considerou que um programa de televisão “promoveu a unidade de saúde de forma encapotada”, que neste caso tratava-se de uma outra entidade que não aquela que estamos agora a falar.

Mesmo assim foram cinco anos o tempo que levou a proferir a decisão, o que nos leva a ter que analisar qual a causa-efeito que o programa teve com esta promoção na dita unidade de saúde e considerar se não terá sido de facto compensatório o valor da coima aplicada pelo impacto positivo que a dita promoção dessa unidade de saúde teve.

Entretanto aguarda-se pela pronúncia final da ERC de denúncias efetuadas pela OMD em 2013 e da ERS das efetuadas entre 2015 e 2017!

Estes casos foram dados como exemplos negativos como as entidades reguladoras não devem atuar, apesar de nos termos da Lei, e dos termos dos respetivos regimes sancionatórios, estarem dotadas para praticarem todos os atos necessários ao processamento e punição das infrações às leis e regulamentos cuja implementação ou supervisão só a elas lhes compete, bem como do incumprimento das suas próprias determinações, em contraponto ao caso do poder disciplinar da OMD, que tem atuado de forma exemplar e por isso deve ser aqui e agora enaltecido.

Luís Filipe Correia
Presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina

Artigo publicado originalmente na Revista OMD nº 39 (2018 outubro)