Maior conhecimento deontológico, melhores comportamentos clínicos

Após vários anos de colaboração no Conselho Deontológico e de Disciplina (CDD) da Ordem dos Médicos Dentistas, a sensação que fica é que a ética e a deontologia são matérias tendencialmente desvalorizadas por grande parte dos médicos dentistas, praticamente desde o período da sua formação académica.

Até porque parece ser fácil encontrar justificações plausíveis para este tipo de desvalorização, pois há factores que podem contribuir para esse tipo de comportamento, como por exemplo:

1. A componente essencialmente científica da área da saúde, que obriga a um estudo exaustivo e persistente de conhecimentos técnico/científicos durante toda a vida profissional, deixando pouco espaço para outros assuntos fora do âmbito clínico da profissão.

2. Uma atividade isolada como é, na generalidade, o exercício da medicina dentária, onde os valores morais individuais tendem a sobrepor-se aos coletivos.

3. O recurso à sensibilidade individual de cada médico dentista em matéria de moral e deontologia, dentro do que considera ser moral ou imoral, certo ou errado, bom ou mau, aquando da tomada de decisões em situações de conflito.

4. A evolução dos costumes que a comunidade vai adotando continuamente ao longo dos tempos, levando a uma dinâmica de alteração dos conceitos normalmente aceites em determinada altura. Por isso o Código Deontológico, que regula uma profissão qualificada como a nossa, sofre adaptações, alterações ou novas interpretações, de forma a responder às novas realidades.

No entanto, o exercício da medicina dentária, não obstante a natureza técnico/científica, não pode nunca esquecer a importante componente ética/deontológica, pelo que é fundamental (e preventivo) que todos os médicos dentistas estivessem conscientes de que devem dedicar mais tempo a ler o nosso código deontológico, o estatuto, as deliberações e recomendações emanadas pelo CDD, interpretando-as e interiorizando-as, de forma a cumprir naturalmente com as normas estipuladas, prevenindo, assim, as situações de litígio.

Mas nem sempre parece ser assim.

Numa análise aos factores agora expostos e que podem eventualmente justificar essa desvalorização da componente deontológica por parte dos médicos dentistas, o CDD entendeu ser de extrema importância ir ao seu encontro a transmitir, recordar e reforçar aos colegas, sob a forma de sessões de formação contínua (cursos de fim de dia), os conceitos éticos básicos que devem orientar os comportamentos dos médicos dentistas, através dos princípios de conduta que os regulam, ao mesmo tempo que o CDD se aproxima da classe estreitando relações com os médicos dentistas.

Este contacto direto com os colegas tem-se revelado gratificante, não só pela mensagem que levamos, “maior conhecimento deontológico, melhores comportamentos clínicos”, como também pelos laços que vamos criando com os colegas, através de um franco diálogo sobre realidade profissional e competência dos órgãos reguladores da classe.

Desde o ano de 2013, foram já realizadas 15 sessões sobre a ética e a deontologia, em vários pontos do País (Coimbra, Setúbal, Évora, Funchal, Viseu, Braga, Faro, Ponta Delgada, Vila Real, Aveiro, Beja, Almada, Leiria, Guimarães e Viana do Castelo), nas quais foram abordados e debatidos variadíssimos casos práticos paradigmáticos do dia a dia do médico dentista, onde a ética e a deontologia podem fazer verdadeiramente a diferença.

Pareceu-me então ser esta a altura ideal para fazer um balanço e analisar qual o feedback dos médicos dentistas que participaram nestas sessões, pelo que analisamos as respostas obtidas dos inquéritos enviados aos participantes, elaborados pelo Centro de Formação Contínua da OMD.

Em primeiro lugar, e antes de fazer a análise global de satisfação, quisemos saber quantos médicos dentistas estiveram presentes nas 15 sessões já efetuadas e chegamos a um total de 410 participantes, com uma média de 27,3 médicos dentistas presentes por sessão. As sessões onde se registaram o maior número de presenças foram as de Coimbra, Braga e Setúbal (Fig. 1).

Gráfico 1

 

Do total de 410 participantes, não podemos considerar a avaliação na sessão de Coimbra (2013), onde estiveram presentes 55 colegas, pois na altura não eram ainda realizados os questionários de avaliação. Foram então recolhidas 192 respostas respeitantes aos 355 participantes que estiveram presentes nas restantes formações contínuas de deontologia da OMD, representando uma taxa de participação na ava- liação dos cursos de 54,08%.

Da análise do quadro total sobre o grau de satisfação que a sessão proporcionou, 88,08% dos colegas que assistiram responderam satisfeito ou muito satisfeito (Fig. 2).

Gráfico 2

 

Da análise do quadro total da pertinência do tema do curso, 93,78% dos colegas responderam que era pertinente ou muito pertinente (Fig. 3).

Gráfico 3

 

Comparando as respostas relacionadas com o grau de satisfação com a pertinência e interesse da sessão, concluímos que o grau de pertinência/interesse no tema é de uma forma generalizada superior ao grau de satisfação com a sessão (Fig. 4).

Gráfico 4

 

Relativamente à recomendação do curso a um colega, 95,3% dos que responderam afirmaram que sim (Fig. 5).

Gráfico 5

 

Por todos os dados que acabamos de expor, e ainda que o número de colegas que assistiram às sessões seja inferior ao que gostaríamos, consideramos que o balanço tem sido positivo e os resultados dos questionários incentivam-nos a continuar realizar estas sessões de proximidade, com o objetivo de promover o conhecimento da ética e deontologia na nossa classe.

No mesmo sentido pedagógico, têm sido realizadas sessões de ética e deontologia no Congresso da OMD, e ainda uma sessão englobada no Curso de Iniciação à Atividade Profissional para jovens médicos dentistas que todos os anos a OMD organiza em outubro.

O CDD tem ainda levado a cabo encontros com os alunos finalistas do mestrado integrado em medicina dentária, encontros esses realizados em todas as sete faculdades, com o objetivo de alertar e motivar os jovens para a importância e gosto pela ética e deontologia, aconselhando-os e fazendo-os compreender que um comportamento pessoal e profissional idóneo, terá inevitavelmente o seu reconhecimento por parte dos doentes e dos seus pares, especialmente no mundo atual onde, infelizmente, existe uma conflitualidade crescente.

Termino, assim, expressando a minha esperança que, com este tipo de ação pedagógica, a globalidade dos médicos dentistas, e especialmente a nova geração, valorize a ética e a deontologia na sua verdadeira dimensão, central na nossa atuação, a par de tudo o que é a componente técnico-científica.

Para além disso, só com princípios éticos muito sólidos se poderá lidar, com êxito, com a conflitualidade crescente que, infelizmente, caracteriza o mundo em que atualmente vivemos.

Luís Filipe Correia
Presidente do Conselho Deontológico e de Disciplina

Artigo publicado originalmente na Revista OMD nº 37 (2018 abril)