Um estudo independente da Nova School of Business and Economics da Universidade Nova de Lisboa, utilizando dados do EU-SILC, evidencia que Portugal é o segundo país da União Europeia com a maior percentagem de pessoas com mais de 16 anos que relatam necessidades não satisfeitas em cuidados de saúde oral: 17,8%, muito acima da média da UE (7,9%). Os dados sobre despesas em saúde das famílias portuguesas (INE) sugerem também claros problemas de acesso aos cuidados de saúde oral.

O estudo “Cuidados de Saúde Oral – Universalização” (PDF), realizado pelos especialistas em economia e gestão da saúde Alexandre Lourenço e Pedro Pita Barros, apresenta vários cenários para aumentar o acesso dos portugueses a cuidados de saúde oral.

Atualmente existem entre 20 a 25 médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Os autores rejeitam a manutenção deste status quo porque não cumpre o carácter de universalidade do SNS e não resolve o problema de acesso a cuidados de saúde oral da população, nomeadamente a de menores recursos financeiros.

Para os autores, dos cenários analisados o aumento da atual cobertura pública com prestação privada é o que apresenta “menores custos globais para a sociedade (…) com a utilização da capacidade da rede privada, mediante um processo de relacionamento contratual que seja adequado”. Salientado o estudo que são já vários os exemplos em que o SNS recorre a parceiros privados.

Uma hipótese é o desenvolvimento de uma rede de prestadores privados através do enquadramento dado pelo modelo do sector convencionado do SNS. Sendo de equacionar a implementação de um modelo de reembolsos em que os utentes assumem a despesa dos cuidados de saúde oral junto de prestadores privados e solicitam junto do SNS o ressarcimento das despesas incorridas.

Para estimar os custos, os autores do estudo recorrem à experiência da ADSE, o sistema de assistência na doença dos funcionários públicos, realçando as “diferenças entre as caraterísticas sociodemográficas de ambas as populações, podemos extrapolar o que seria uma despesa potencial do SNS ao adotar este modelo. De forma a obter uma maior sensibilidade, apresenta-se ainda o impacto de uma utilização por parte de 50% da população. Dá-se ainda nota que, os beneficiários assumem 20% adicionais (copagamento) sobre os custos assumidos pela ADSE”.

A projeção de 50% de utilizadores explica-se pela população abrangida pelo SNS, mais carente, com maiores necessidades e portanto levando a uma maior procura.

O cálculo do impacto financeiro da aplicação do regime convencionado por parte do SNS aponta para um encargo de 280 milhões de euros por ano, enquanto os cálculos relativos ao impacto financeiro da aplicação do regime livre da ADSE, por parte do SNS chegam a um valor de 343,9 milhões de euros.

Outra possibilidade analisada pelo estudo é o alargamento do leque de beneficiários do programa cheque-dentista. Esta hipótese incluiria o alargamento do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (PNPSO) a todas as crianças até aos 18 anos, que teria um custo residual de 350 mil euros e segmentos da população em insuficiência económica, como idosos com mais de 65 anos (52,7milhões de euros), desdentados totais (16,4 milhões de euros), comparticipação de próteses totais (26,4 milhões de euros) e diabéticos (16,8 milhões de euros).

Os custos dos cuidados de urgência não são contabilizados porque não existem dados concretos sobre o número de urgências em cuidados de saúde oral.

O aumento da cobertura pública com prestação pública é outro dos cenários analisados, sendo que nesta perspetiva seria criada uma rede de acesso universal “que cobriria a generalidade de cuidados de saúde oral e aplicaria o regime atual de taxas moderadoras. A rede seria desenvolvida em dois níveis: 1.º Nível – Cuidados de saúde oral de proximidade, desenvolvidos ao nível dos cuidados de saúde primários: 2.º Nível – Cuidados de saúde oral diferenciados, desenvolvidos ao nível da rede hospitalar”.

Seguindo as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), os autores do estudo assumem como objetivo um médico dentista para 1.500 habitantes. A rede implicaria assim a entrada de 6.500 médicos dentistas no SNS e representaria um encargo para o Estado de 182 milhões de euros anuais, destinados ao pagamento de salários.

Um valor que mais do que triplicaria se fossem contabilizados os gastos de no salários de assistentes dentárias, obras de adaptação, custo de equipamentos e respetiva manutenção e os consumíveis utilizados nas consultas e tratamentos.

Os autores deixam no entanto um alerta: “um plano de investimento maciço desta natureza iria traduzir-se numa duplicação de capacidade global do sistema de saúde, com duvidosas implicações quanto à eficiência dessa situação”.

A última hipótese apresentada pelo estudo analisa o aumento da cobertura privada, através de seguros, com prestação privada, cabendo ao Estado negociar com o sector segurador.

Para os autores, esta hipótese teria “a potencialidade para permitir uma redução do risco financeiro das famílias, aumento da cobertura de cuidados de saúde oral, rentabilização da oferta privada existente e ter um controlo efetivo da despesa”. Contudo, sublinham que “o enquadramento político e social, é adverso ao recurso ao sector segurador para assegurar funções do Estado”.

Para os autores “estas várias considerações levam à recomendação de ser escolhida a opção de aumentar a cobertura pública através de prestação privada, com o desenvolvimento de um relacionamento que a) atenda as necessidades não satisfeitas da população, nomeadamente no campo da prevenção; b) garanta devidamente os mecanismos de verificação regular da qualidade dos cuidados de saúde oral prestados; c) mitigue (ou elimine) as situações de risco moral e de indução de procura; e d) reconheça a relevância dos investimentos específicos na relação feitos por ambas partes”.

O bastonário da OMD, Orlando Monteiro da Silva, considera que “o estudo revela várias hipóteses complementares entre si. Não há um só caminho. O que precisamos são soluções que permitam que todos os portugueses tenham acesso a cuidados de medicina dentária. Prova-se que os ganhos conquistados com o programa do cheque-dentista são assinaláveis, sobretudo na infância, mas não há uma resposta integrada às necessidades dos portugueses. Encomendámos este estudo, que é totalmente independente e da responsabilidade dos autores, porque a situação atual é insustentável. A dissociação entre saúde em geral e a saúde oral trouxe-nos por um caminho que importa inverter. Há doenças, como a diabetes, que são agravadas por falta de acompanhamento médico dentário. Mais ainda, os doentes não conseguem fazer uma alimentação correta devido à falta de dentes. A situação dos nossos idosos, em matéria de saúde oral, é absolutamente catastrófica”.

Orlando Monteiro da Silva salienta que “há uma rede de consultórios e clínicas de medicina dentária que cobre todo o país. Em termos comparativos, Portugal possui recursos humanos nesta área em número superior à maioria dos países europeus, portanto o que falta é pegar no que existe é fazer com que funcione. Nenhuma solução apresentada neste estudo está isenta de custos, e a OMD está disponível para ajudar a encontrar a solução que for mais equilibrada, mas o que este estudo não calcula é quantas dezenas ou centenas de milhões de euros por ano, custa em saúde, dias de trabalho, esperança e qualidade de vida manter o atual status quo. Este custo é muito maior quer para as pessoas quer para o Estado”.

 

Declarações do bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas à TVI24 (17 maio 2016):

 

Declarações do bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas à SIC Notícias (17 maio 2016):

 

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