No início do ano, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um teste de proporcionalidade a realizar antes da aprovação de nova regulamentação das profissões. O princípio da proporcionalidade “é um dos princípios gerais do direito da União”, pelo que a proposta procura “garantir que o exercício das liberdades fundamentais nas regras de acesso e exercício de profissões deve aplicar-se de modo não discriminatório”. Para compreender melhor o impacto desta proposta, a Revista da OMD conversou com Pedro Silva Vieira, coordenador nacional da Diretiva 2005/36/CE relativa ao Reconhecimento das Qualificações Profissionais.

ROMD – De onde surgiu a proposta relativa ao teste de proporcionalidade?

LSV – Esta proposta surge inserida no pacote sobre os serviços, medida prevista na Estratégia para o Mercado Único de Bens e de Serviços, onde além da proposta de Diretiva relativa a um teste de proporcionalidade, então incluídas mais três medidas, a saber: 1) “Cartão Eletrónico Europeu de Serviços”, a ser introduzido por intermédio de dois atos legislativos, um Regulamento e uma Diretiva; 2) Um novo processo de notificação de projetos de legislação relativos aos serviços, a ser criado através de Diretiva; 3) Uma comunicação contendo orientações e recomendações aos Estados-membros sobre reformas nacionais no domínio da regulamentação de profissões.

ROMD – O que se pretende com esta proposta?

LSV – Pretende-se com esta proposta de Diretiva estabelecer regras relativas a um quadro comum para a realização de avaliações de proporcionalidade, ex-ante, sempre que se pretenda introduzir nova legislação ou alteração da legislação existente no âmbito das profissões regulamentadas.

ROMD – Qual é o objetivo desta iniciativa e de onde surgiu a mesma?

LSV – Esta iniciativa da Comissão deriva da análise efetuada nos últimos anos às regras presentes na Diretiva 2005/36/CE relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais. Em 2013, a Diretiva 2005/36/CE, a Diretiva Qualificações Profissionais, foi alterada pela Diretiva 2013/55/UE, tendo introduzido um exercício de avaliação mútua e de transparência entre os Estados-membros de todas as suas profissões regulamentadas. Foi com base nas informações apresentadas pelas autoridades competentes dos Estados-membros durante este processo que a Comissão considerou que a maior parte das avaliações não apresentava uma fundamentação adequada sobre a necessidade de regulamentação, nomeadamente no que à proporcionalidade da mesma concerne, e os seus efeitos no ambiente empresarial deveriam dessa forma ser avaliados de maneira mais consistente.

Por outro lado, para a Comissão o processo de avaliação mútua revelou, ainda, que as decisões de regulamentar uma profissão nem sempre são baseadas numa análise sólida e objetiva ou são efetuadas de forma aberta e transparente.

A Comissão considerou ainda, e não obstante várias reuniões de análise a um conjunto de profissões e orientações emitidas, que tudo isto não impediu a introdução de novas medidas restritivas sem uma análise objetiva e abrangente.

Dar também nota que avaliação da Comissão teve como base a informação registada por todas as autoridades competentes na base de dados de profissões regulamentadas, bem como no documento intitulado Plano de Ação Nacional, elaborado pela Coordenação da Diretiva relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, com os contributos de todas as autoridades competentes e que esteve também em consulta pública por parte da Comissão Europeia.

A Comissão considera que existe um controlo desigual na regulamentação de profissões em toda a União Europeia com impacto negativo na prestação de serviços e na mobilidade dos profissionais.

ROMD – E é dessa forma que surge esta proposta. Qual é o sentido da mesma? Isto é, o que se pretende alcançar com esta proposta de Diretiva?

LSV – Esta proposta surge no sentido de dar apoio a boas práticas regulamentares esperando-se melhores resultados. É uma proposta que visa aplicar o teste à nova legislação relativa à regulamentação de profissões, bem como à alteração de legislação existente, tal como já salientei.

Destarte, esta proposta consolida a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a proporcionalidade dos requisitos que restringem o acesso ou o exercício de profissões regulamentadas, deixando no entanto aos Estados-membros a decisão sobre o que regulamentar e de que forma, desde que essa decisão seja devidamente fundamentada no seguimento de uma avaliação exaustiva, transparente e objetiva. Procura ainda ter em consideração a especificidade de cada profissão e o seu quadro regulamentar.

ROMD – Quais são os benefícios que a Comissão considera atingir com esta proposta?

LSV – Os benefícios desta proposta centram-se no ajudar tanto os profissionais, os consumidores e as administrações públicas, procurando garantir uma melhor regulamentação das profissões ao impedir a adoção de normas desproporcionadas.

ROMD – O que trará de novo aos Estados-membros a aplicação de um teste desta natureza?

LSV – Esta proposta procura fornecer um quadro geral para a utilização dos critérios aquando da avaliação da proporcionalidade da regulamentação prevista.

No entanto, a Comissão frisa, e bem, que a regulamentação de uma profissão é uma matéria da competência exclusiva de cada Estado-membro, não existindo disposições, no direito da União Europeia que visem de forma específica harmonizar os requisitos que estejam relacionadas com as regras de acesso e exercício de uma determinada profissão.

ROMD – Qual a principal preocupação da Comissão Europeia?

LSV – A principal preocupação centra-se no respeito pelas liberdades fundamentais, como sejam a liberdade de circulação de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços, não devendo o acesso e o exercício de uma profissão regulamentada constituir um obstáculo desproporcionado e injustificado ao exercício desses direitos fundamentais, devendo as regras de acesso e exercício respeitarem os princípios da não discriminação e da proporcionalidade.

ROMD – O que indica a proposta de Diretiva sobre esta preocupação?

LSV – A proposta procura garantir que o exercício das liberdades fundamentais nas regras de acesso e exercício de profissões deve aplicar-se de modo não discriminatório, serem justificadas por objetivos de interesse público, serem adequadas para garantir a realização do objetivo que prosseguem e não devem ultrapassar o que é necessário para atingir o objetivo que querem alcançar.

 

ROMD – Mas esta proposta, além do mencionado, traz algo de novo para Portugal?

LSV – Esta proposta indica que o ónus da prova em matéria de justificação da proporcionalidade compete aos Estados-membros, algo que já hoje ocorre. Portugal, aquando da regulamentação de profissões, já respeita o princípio da proporcionalidade, princípio previsto na Constituição da República Portuguesa.

O que a Comissão pretende é que os elementos que acompanham a justificação contenham uma explicação suficientemente pormenorizada que permitam avaliar o princípio da proporcionalidade.

A justificação tem de ser baseada em objetivos de interesse público, tais como a política pública, segurança e saúde pública ou razões imperiosas de interesse geral, reconhecidas como tal pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

A Comissão indica também que cabe aos Estados-membros determinar o nível de proteção que desejam atribuir aos objetivos de interesse público e a forma proporcional como esse nível deve ser atingido. Ou seja, para uma mesma profissão as regras podem e variam de Estado-membro para Estado-membro.

ROMD – Que elementos a proposta indica que deverão ser tidos em consideração?

LSV – Na regulamentação da profissão, a Comissão aponta como elementos a ter em consideração os seguintes: a relação entre o âmbito das atividades profissionais abrangidas e a qualificação profissional exigida, a complexidade das tarefas (diretamente relacionada com a natureza e a duração da formação exigida), a existência de diferentes vias para obter a qualificação profissionais, o âmbito das atividades profissionais reservadas e a sua partilha com outros profissionais e o grau de autonomia no exercício da profissão.

ROMD – Esta informação sobre o teste estará disponível para todos os stakeholders?

LSV – A informação sobre a proporcionalidade estará disponível através da base de dados de profissões regulamentadas, acessível pelos outros Estados-membros. A proposta prevê ainda a possibilidade de a mesma ser tornada pública, podendo no entanto o Estado-membro solicitar a sua não divulgação

Entrevista originalmente publicada na Revista da OMD nº 35, de outubro de 2017.