O novo Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema da Saúde (ACSS, I.P.) iniciou funções a 12 de setembro de 2014, tendo tomado posse numa cerimónia realizada no Ministério da Saúde no dia 30 do mesmo mês.

A nova equipa é agora liderada por Rui Santos Ivo que já ocupava as funções de vice-presidente do organismo que assegura a gestão dos recursos financeiros e humanos do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde.

Entre os vários cargos que desempenhou, foi presidente do Infarmed, autoridade que regula o sector do medicamento e diretor executivo da Apifarma – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica.

Conversamos com Rui Santos Ivo sobre a atualidade.

 

ROMD – A criação de um inventário nacional de profissionais de saúde, com “sede” na Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que benefícios trará ao funcionamento do setor da saúde?

RSI – Recentemente, a Comissão Europeia, através da Comunicação sobre Sistemas de Saúde eficazes, acessíveis e resilientes, de 4 de abril deste ano, definiu uma estratégia para os sistemas de saúde europeus, nomeadamente em termos de reforço da sua eficácia, acessibilidade e capacidade de adaptação, enfatizando, também, a importância do planeamento dos profissionais de saúde na acessibilidade e resposta dos sistemas de saúde à população que servem. Ora, é precisamente neste contexto que o inventário assumirá uma maior importância com vista a uma melhor eficiência no planeamento das necessidades de profissionais de saúde e na coordenação das políticas de recursos humanos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.

Um inventário nacional de profissionais de saúde constitui um instrumento importante que contribuirá para o dever do Estado garantir o direito à proteção da saúde, através da identificação de todos os profissionais habilitados para exercer funções no setor da saúde. Neste contexto, a ACSS, I.P., enquanto organismo responsável pela gestão e planeamento de recursos humanos na saúde, tem vindo a desenvolver e atualizar, desde 2011, este novo instrumento – o Inventário Nacional dos Profissionais de Saúde que carece de ser alargado a todo o universo dos profissionais de saúde.

Presentemente e em linha com estes objetivos, a ACSS, I.P. está a desenvolver um projeto de planeamento de profissionais de saúde, no âmbito da Ação Conjunta da Comissão Europeia destinada ao Planeamento e Previsão de Recursos Humanos, onde, em conjunto com as autoridades italianas irá concretizar um piloto de planeamento que apoiará os diferentes países.

Com estes mesmos objetivos está em preparação um diploma legislativo que dará suporte a estas atividades que considero centrais na organização e funcionamento do Sistema de Saúde e, em particular, do Serviço Nacional de Saúde.

Entende que poderiam ser criadas medidas de desburocratização na relação com os profissionais de saúde? Quais?

A criação do inventário  nacional de profissionais de saúde, assente num sistema de informação, permitirá identificar todos os profissionais de saúde habilitados para exercer funções na área da saúde, nos setores público, privado e social.

O referido sistema deverá ser implementado, alinhado com a Lei de Bases da Saúde aprovada pela Lei n.º 48/90, de 28 de agosto, que prevê que os profissionais de saúde devem registar-se em associação profissional de direito público ou junto do Ministério da Saúde, cabendo a este o registo dos profissionais de saúde que não se encontrem registados em associações profissionais.

Pretende-se garantir a recolha centralizada dos dados dos profissionais de saúde, implementar o portal de registo dos profissionais de saúde em colaboração com as entidades competentes e garantir que todos os profissionais têm associados os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde públicos, privados e sociais, independentemente da sua natureza jurídica e nos quais exercem funções.

Está também em desenvolvimento o Portal dos Profissionais de Saúde que tem como objetivo agregar conteúdos para as diferentes categorias profissionais e constituir a porta de entrada dos profissionais nos sistemas de informação do SNS, permitindo a disponibilização de um conjunto de serviços de forma centralizada e facilitada para os utilizadores dos nossos sistemas, desburocratizando a relação entre os profissionais de saúde e os sistemas de informação do SNS.

A ACSS regista cerca de 22 profissões regulamentadas e agora, também, as terapêuticas não convencionais. Acha importante o sistema de identificação de situações de ilegalidade? E o estabelecimento de parcerias estratégicas  dotadas de celeridade na resposta e na reparação da legalidade?

A ACSS, I.P., enquanto responsável pela regulação profissional na área da saúde, encara como positiva a utilização de modelos de identificação de situações de ilegalidade, situações que poderão colocar em causa os direitos e interesses legítimos dos cidadãos e utentes. Deverá ser dada prioridade a sistemas que privilegiem a qualidade nos cuidados, promovendo, dessa forma, a eficiência dos prestadores de cuidados de saúde.

Existem já entidades com competências nas áreas da fiscalização e controlo do exercício profissional das terapêuticas não convencionais, designadamente a IGAS e a ASAE. Cabe ao INFARMED o exercício de funções de regulação e supervisão dos setores dos medicamentos de uso humano e de produtos de saúde, nomeadamente no que se refere aos medicamentos homeopáticos e medicamentos tradicionais à base de plantas, bem como aos dispositivos médicos utilizados e à Entidade Reguladora da Saúde, o desenvolvimento da sua atividade fiscalizadora dos requisitos de atividade dos estabelecimentos e de monitorização das queixas e reclamações dos utentes. Julgo que, tal como ocorre em outras áreas, a supervisão desta nova área deverá resultar de estreita articulação entre todas estas entidades.

À semelhança do que já sucede em outras áreas de combate à fraude, em que se congregam as responsabilidades de diferentes entidades, cremos que da mesma forma se deverão desenvolver estratégias similares noutros domínios, como o que é referido.

Por falar em terapêuticas não convencionais, em que estado se encontra este processo? Assiste-se a uma evolução e adesão positivas?

A estratégia da Organização Mundial da Saúde relativamente às terapêuticas não convencionais para o período 2014–2023 salienta que muitos países reconhecem a necessidade do desenvolvimento de uma política coesa e integrada dos cuidados de saúde, de modo a permitir aos governos, aos profissionais de saúde e, acima de tudo, aos utentes, o acesso seguro, competente, eficaz e eficiente àquelas terapêuticas.

Em Portugal, as terapêuticas não convencionais estão enquadradas pela Lei nº 45/2003 de 22 de agosto, a qual reconhece: a acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropraxia e pela Lei nº 71/2013, de 2 de Setembro que veio regulamentar a referida lei, acrescentando a medicina tradicional chinesa.

Subsequentemente foi aprovado todo um conjunto de regulamentação que veio criar as condições para a concretização e operacionalização das referidas leis. Essa regulamentação foi elaborada com o envolvimento de todas as entidades interessadas e obteve grande adesão, criando as condições efetivas para o exercício destas profissões em obediência aos princípios de proteção do interesse público em geral.

O acesso a estas profissões, tal como sucede com as restantes profissões da área da saúde, está condicionado à obtenção da titularidade do grau de licenciado numa das áreas acima referidas. Competirá à ACSS, I.P. emitir a cédula profissional aos requerentes que satisfaçam os requisitos legais para o exercício profissional.

Os profissionais destas áreas, que à data da entrada em vigor da Lei nº 71/2013, de 2 de Setembro, se encontrassem a exercer atividade em alguma das terapêuticas não convencionais agora regulamentadas, poderão requerer a sua cédula profissional mediante apreciação curricular conforme o disposto na Portaria nº 181/2014, de 12 de setembro.

Para rececionar os pedidos de cédula e registo profissional, a ACSS, I.P. está a preparar uma plataforma informática que permitirá o registo online dos profissionais otimizando os procedimentos administrativos inerentes a este processo.

A legislação prevê regulamentação suplementar que a ACSS, I.P., com a colaboração das outras as entidades envolvidas neste processo, a Direção Geral da Saúde, a Direção Geral do Ensino Superior e a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, concluíram e que já foi publicada, faltando apenas a portaria referente ao ciclo de estudos de cada uma das terapêuticas regulamentadas.

Com a plena aplicação desta legislação, Portugal será o país europeu com o maior número de terapêuticas não convencionais regulamentadas e um dos poucos no mundo ocidental a ter este conjunto de terapêuticas regulamentadas.

Sobre a agilização do turismo em saúde, como encara a efetivação da Lei sobre Cuidados de Saúde Transfronteiriços que entrou em vigor a 1 de setembro?

A Lei sobre Cuidados de Saúde Transfronteiriços estabelece as normas de acesso a estes cuidados de saúde e promove a cooperação em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços.

Esta nova legislação constitui-se como uma oportunidade para os cidadãos, na medida em que lhes permite aumentar a sua capacidade de escolha em relação ao prestador de cuidados, possibilitando a procura de cuidados transfronteiriços em qualquer unidade de saúde que esteja legalmente habilitada para exercer a sua atividade.

Com efeito, traduz-se também numa oportunidade para as entidades prestadoras de cuidados de saúde em Portugal, nomeadamente no SNS, que assim têm a possibilidade de continuar a melhorar a qualidade da prestação de cuidados e a rentabilizar a capacidade instalada, assim como se poderão constituir como Centros de Excelência multidisciplinares para a prestação de cuidados concorrenciais no espaço europeu.

Considera que as tabelas do SNS e ADSE, relacionadas com atos de medicina dentária, apresentam designações desatualizadas e descontextualizadas do desenvolvimento técnico e científico que ocorreu nesta área nos últimos anos? Se sim, considera que a atualização e a uniformização da designação destes atos deverá ser realizada e que a colaboração da OMD poderá ser importante nessa tarefa?

A tabela do SNS na área da estomatologia já não era revista há bastante tempo, mais concretamente, desde 2001. Atualmente encontramo-nos a trabalhar na atualização das nomenclaturas e preços a praticar nesta especialidade, em articulação com a Ordem dos Médicos. Consideramos importante contar, também, com a informação sobre as nomenclaturas atuais que são praticadas pela Ordem dos Médicos Dentistas, o que seria um contributo de valor acrescentado para o trabalho em curso.

Qual a sua visão sobre as parcerias público-privadas em matéria de complementaridade entre o setor público e privado?

Antes de mais, importa realçar que os hospitais geridos em regime de parcerias público-privadas (PPP) integram o Serviço Nacional de Saúde, ou seja, são públicos, mas geridos por parceiros privados de forma que se espera mais eficiente e com qualidade exigida nos termos dos contratos, com perspetivas de ganhos para os seus acionistas.

As PPP permitem uma efetiva partilha de risco com o operador privado, (e.g. procura, construção, operação, financeiro) e são adjudicados no pressuposto de que as propostas dos concorrentes são inferiores ao Custo Público Comparável (custo associado à gestão direta pelo Estado).

Os contratos PPP têm uma forte componente de avaliação do desempenho das entidades gestoras baseada em parâmetros de qualidade elevada, com impacto na remuneração das entidades gestoras (aplicação de pontos de penalização e multas “traduzidos” financeiramente e deduzidos na remuneração).

Em termos gerais, e em linha com os objetivos da Lei de Bases da Saúde e as responsabilidades do SNS, considero positiva a existência de parcerias com os sectores social e privado, que assegurem de forma transparente e eficiente o serviço aos cidadãos.

Tendo em conta a publicação do Decreto-Lei nº173/2014 que altera a Orgânica do Ministério da Saúde e a orgânica da ACSS, consagrando novas competências e responsabilidades, como encara as possibilidades abrangidas, por exemplo, no novo artigo 13º do Decreto-Lei n.º 35/2012, de 15 de fevereiro ao referir que “A ACSS, I.P., pode recorrer a peritos nas áreas de codificação e auditoria à codificação clínica, sistemas de classificação de doentes e formação de preços e nomenclaturas, especificações técnicas de tecnologias de equipamentos e auditorias de cumprimento de requisitos de funcionamento e organização de instalações de prestação de cuidados de saúde e definição das redes nacionais de especialidades hospitalares e de referenciação, de entre especialistas com qualificações e experiência nas respetivas áreas.”?

A legislação define que a ACSS, I.P. pode recorrer à colaboração de “peritos”, nomeadamente nas áreas de cariz eminentemente técnico, como sejam a área da codificação clínica e as auditorias, os sistemas de classificação de doentes, a formação de preços e a normalização das nomenclaturas para os atos realizados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ou as áreas referentes às instalações e equipamentos de saúde.

As áreas que aqui se elencam são críticas no âmbito das competências atribuídas à ACSS, I.P. e exigem cada vez mais conhecimento e experiências específicas que não poderão, nem deverão, ser satisfeitas por colaboradores permanentes, mas antes através do envolvimento de profissionais de saúde com reconhecida competência e com experiência diferenciada, i.e., de peritos que permitam, em função das necessidades específicas, assegurar os contributos necessários às diferentes áreas. Cremos que esta possibilidade permite aliar, por um lado, as necessidades de competências técnicas muito especializadas que devem ser obtidas do «terreno» e, por outro, reforçar a articulação com as diferentes áreas técnicas e profissionais, tais como aquelas em que a Ordem pode contribuir.

 

Notas curriculares de Rui Santos Ivo

  • Presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, IP (ACSS, I.P.), do Ministério da Saúde. Foi, desde novembro de 2011, vice-presidente da ACSS, I.P. responsável pelas áreas de recursos humanos, de gestão da rede de recursos de saúde, pelos sistemas de informação no setor da saúde e pelo licenciamento de unidades de saúde e a monitorização do uso de medicamentos nos hospitais, bem como a área do Centro de Conferência de Faturas.

  • É professor auxiliar convidado na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

  • Em 1993 integrou a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED, I. P.), onde desempenhou o cargo de  vice-presidente (1994–2000) e, posteriormente, de presidente (2002–2005). Entre 2000 e 2002 desempenhou as funções de administrador, responsável pelos assuntos científicos, regulamentares e internacionais na Agência Europeia de Medicamentos (EMA), em Londres.

  • De 2002 a 2005 foi membro do Conselho de Administração da EMA, tendo sido de 2004 a 2005, o primeiro presidente  do grupo de coordenação das Agências de Medicamentos da UE. Em 2005 e 2006 foi ainda consultor para as questões farmacêuticas e membro do Conselho de Administração do British Hospital Lisbon XXI.

  • Entre 2006 e 2008, trabalhou para a Comissão Europeia como administrador da Unidade de Medicamentos, Direção Geral Empresas e  Indústria, na elaboração de legislação e regulamentação farmacêutica sobre ensaios clínicos e informação aos doentes, no acompanhamento de projetos de telemática da UE e foi também responsável pelas relações com a Agência Europeia de Medicamentos, com os Estados-membros e com o Conselho da Europa e pelos diálogos regulamentares internacionais com países terceiros, como a China, a Índia e a Rússia.

  • De 2008 a 2011, exerceu o cargo de Diretor Executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA).

  • Licenciou-se em Ciências Farmacêuticas, pela Universidade de Lisboa, em 1987.

 


Entrevista originalmente publicada na Revista da OMD nº 24, de janeiro de 2015.