Há 25 anos que Gil Fernandes Alves acompanha o processo de desenvolvimento da medicina dentária na Região Autónoma da Madeira. Muitas vezes, garante, com espírito de missão. O representante desta Região no Conselho Diretivo da Ordem dos Médicos Dentistas garantiu-nos, em entrevista, que apesar de tudo tem sido um processo gratificante. E que foram muitas as vitórias conquistadas. Fruto não só do trabalho desenvolvido pela Ordem mas, em boa parte, pela capacidade que os políticos tiveram em ouvir, estarem atentos e aceitarem as sugestões dos profissionais.

Recentemente, a Ordem dos Médicos Dentistas atribuiu a Medalha de Ouro ao Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim. O que esteve na génese desta distinção?

A entrega da medalha foi, de algum modo, o reconhecimento daquilo que pude testemunhar enquanto representante da Região Autónoma da Madeira no conselho diretivo da Ordem dos Médicos Dentistas.

Quando iniciou essas funções?

A minha primeira assunção em termos de funções foi em novembro de 1989, na altura convidado pelos professores João Carvalho e Fontes de Carvalho para assistir como observador à reunião do Comité de Liaison da CEE que se realizou no Funchal. Em abril de 1990, fui novamente convidado para a reunião de Portimão.

Foi precisamente nessa altura que se deu a nossa a saída da Ordem dos Médicos. Formou-se a Comissão Nacional dos Médicos Dentistas e mais tarde a Associação Profissional dos Médicos Dentistas que iria culminar na criação da Ordem dos Médicos Dentistas. Ou seja, acompanho há 25 anos o processo de desenvolvimento da medicina dentária portuguesa e em particular, na Região Autónoma da Madeira.

Qual foi a vossa primeira batalha?

Travar as situações de ilegalidade que na altura existiam. Havia muitos indivíduos, não só portugueses, que não estavam habilitados para exercer atos de saúde oral. Tivemos a preocupação – e penso termos sido pioneiros em Portugal nisso – de identificar todos os casos e inclusivamente instaurar processos judiciais, na altura através da Associação dos Estudos de Medicina Dentária do Arquipélago da Madeira (ADAM), uma associação de carácter científico.

Acabamos, de alguma maneira, por ajudar naquilo que é hoje a legalidade da medicina dentária no país. Outro aspeto era a existência de consultórios instalados, em precárias condições. Na Madeira, fomos igualmente pioneiros, em 1992, nas vistorias aos locais de trabalho onde eram exercidas práticas de medicina dentária e saúde oral.

Como representante da Ordem, integrei comissões da Secretaria da Saúde e tive a oportunidade de presenciar situações em que, por exemplo, a “estufa” de esterilização, estava instalada em cima de tampas de sanita e autoclismos. Tudo isso permitiu conhecer as condições precárias e a sua evolução. E obviamente testemunhei o facto de termos governantes que nos souberam escutar, estiveram atentos e aceitaram as nossas sugestões.

Ao ponto de não só a regularização do exercício da profissão ter ocorrido, como em 1995, através do Secretário Regional dos Assuntos Sociais, com a pasta da saúde, Rui Adriano Freitas e a diretora regional, Ermelinda Alves, terem-nos desafiado a idealizar e implementar um Programa de Promoção da Saúde Oral (PRPSO) na Região Autónoma da Madeira que foi implementado gradualmente em todos os concelhos da região.

Qual foi o resultado de tudo isso?

Ao fim de 15 anos, em 2010, tínhamos 20 mil crianças da região envolvidas no programa. Estamos a falar de crianças entre os 3 e os 13 anos a terem acesso a consultas de medicina dentária e tratamento preventivos, nomeadamente a aplicação do selantes de fissuras.

Numa fase inicial, convocávamos as crianças mas ficávamos na dependência de os pais virem, ou não, acompanhar as crianças. Conseguimos que o falecido Comendador Horário Roque oferecesse à Região uma carrinha com um consultório instalado, o que permitiu que nos deslocássemos a todas as escolas da Região e, sem perturbar o normal funcionamento das aulas, chamar as crianças, duas a duas, à carrinha.

Chegamos a ver por ano 3550 crianças e aplicamos entre sete e oito mil selantes. Com alguma mágoa nossa, em 2010, fruto da crise económica e da falta de diálogo do conselho de administração do SESARAM, houve um desinvestimento da área da promoção nas escolas, mas o Programa de Saúde Oral na área dos tratamentos nos centros de saúde continuou.

Relembro que temos uma convenção celebrada com o Governo Regional que permite a qualquer utente do serviço de saúde ou mesmo ADSE escolher livremente o seu médico dentista, fazer os seus tratamentos e com um recibo ser reembolsado com uma comparticipação.

Deduzo então que o balanço que faz dos mandatos do Presidente Alberto João Jardim ao nível da saúde oral da Região seja positivo.

Claramente. Tivemos políticos que nos souberam escutar. Ouvi uma vez o professor brasileiro Hamilton Bellini dizer, num congresso, que não vale de nada termos os melhores programas de saúde oral, não vale de nada termos a melhor ciência… se não tivermos políticos que pelo menos escovem os dentes, diariamente. Esse é o princípio fundamental.

E quais os grandes desafios do futuro próximo?

Temos o rastreio precoce do cancro oral, uma das situações que temos vindo a trabalhar junto da Secretaria dos Assuntos Sociais.

Como vê a criação por parte do Governo Regional do novo grupo de trabalho para a implementação do Projeto de Intervenção Precoce do Cancro Oral (PIPCO) na Região Autónoma da Madeira e quais são os desenvolvimentos esperados a partir daqui?

Já foram indigitados pela Ordem os três membros que vão fazer parte desse grupo de trabalho. Estamos agora a aguardar que o grupo seja completamente formado. A partir daí, vamos delinear a metodologia de implementação do programa.

Mas que impacto terá na região?

O impacto será grande porque o último estudo que temos conheci- mento referencia a Madeira como das zonas do país com maior índice de cancro oral. Continuamos a constatar estes casos e sentimos na nossa prática privada alguma dificuldade, pelas vias normais, de direcionar estes doentes para os respetivos serviços do Hospital. O programa pretende criar condições para poder fazer o diagnóstico pre- coce e apanhar o problema numa fase muito inicial.

O que espera dos programas dos diferentes partidos relativamente à saúde e à saúde oral?

Estou um pouco apreensivo relativamente a isso pois ainda não fomos abordados por nenhum dos partidos e as eleições são já dia 29 de março.

Qual o panorama da saúde oral na Região?

Em 2009, conseguimos que fossem colocados os primeiros médicos dentistas no apoio ao serviço de urgência no Hospital do Funchal, na área de traumatologia oral. Esta foi uma das batalhas travadas, não só para a população residente mas para os visitantes.

Sendo a Madeira uma ilha que promove o turismo, que vive do turismo, era inaceitável que os nossos turistas, perante quedas nas levadas ou qualquer passeio pela ilha, não tivessem apoio na área da urgência quando falamos de traumatismo oral.

Em 2010, para além desses profissionais, passamos a ter dois colegas em permanência nos serviços de estomatologia do Hospital. Essas são duas valências que muito me orgulho. Fomos tendo sucessivas “vitórias”, desde a instalação de medicina dentária no Centro de Saúde Porto Moniz, havendo já no do Bom Jesus, no Funchal.

Conseguimos ainda reativar a consulta de medicina dentária no Centro de Saúde do Porto Santo. Em 1997, cheguei a apresentar uma proposta à Secretaria dos Assuntos Sociais na qual cada um dos centros de saúde de sede dos 11 concelhos da Região Autónoma tivesse um médico dentista. Mas as condicionantes financeiras não o permitiram.

Tem sido gratificante, este caminho?

Tenho de dizer que sim. Não só na parte do Programa de Saúde Oral no qual, ao fim de 15 anos tinha o meu trabalho realizado e pude, de consciência tranquila, dizer que a minha função estava finalizada. Em termos de representante da Ordem, tenho vindo, com a ajuda dos colegas, a trilhar paulatinamente um caminho. Digo muitas vezes aos mais novos que não há que querer tudo para ontem. Às vezes, é quase um espírito de missão, sobretudo para quem está ligado a órgãos dirigentes e diretivos.

 

Entrevista originalmente publicada na Revista da OMD nº 25, de abril de 2015.