Médico dentista e político. Artur Lima, representante da Região no Conselho Diretivo da Ordem dos Médicos Dentistas, é um ativista convicto. Diz que separa perfeitamente o político do médico e que no seu consultório não se fala de política. No entanto, admite que ser presidente do CDS-PP Açores facilita alguns diálogos no âmbito da saúde oral. Numa análise transparente, elogia os progressos alcançados e o papel da OMD no debate de matérias estruturantes da medicina dentária na região. Crítico e analítico, destaca nesta entrevista as novas regras nos sistemas de reembolsos.

ROMD – Qual o panorama da saúde oral nos Açores?

AL – Nos Açores temos o sistema de medicina dentária pública, que penso que é o único do país, pois existe em todos os centros de saúde em todas as ilhas. Os utentes têm acesso a um sistema de saúde oral pública, particularmente com grande ênfase nas crianças até aos 18 anos. Quanto ao sistema privado, este padece dos mesmos males que o resto do país. A crise também chegou aos Açores e, naturalmente, as pessoas têm menos possibilidade de ir à medicina dentária privada.

Como está implementado o Programa de Saúde Oral?

O Programa de Saúde Oral está em velocidade cruzeiro, estabilizado e a correr bem. O boletim individual de saúde oral está bem implementado, todas as crianças recebem-no na primeira consulta e este acompanha-os na sua consulta, quer no público, quer no privado.

Pode afirmar-se que a saúde oral está a funcionar no serviço público?

Na parte do Programa Regional de Saúde Oral, sim. O grande passo que falta dar, e para o qual a Ordem tem alertado e feito exigências, é o acesso dos médicos dentistas à medicina dentária hospitalar.

Porque tal não aconteceu?

AL – Falta de vontade política, apenas. De resto, como já se provou, os médicos dentistas são excelentes profissionais nas áreas onde trabalham.

É um passo importante para fazer chegar a saúde oral à população desfavorecida?

AL – Há alguns grupos de risco que precisam de uma consulta com acompanhamento hospitalar e que necessitavam ter médicos dentistas nos hospitais para atender esses pacientes de risco com patologia especial. Era importante, já que existem alguns estomatologistas, ter nos hospitais equipas mistas e depois esse serviço ser assegurado por médicos dentistas. Julgo que o futuro será esse e que os Açores, também, poderiam ser pioneiros nessa matéria. Mas, infelizmente, parece-me que há menos atenção política à saúde oral do que já houve no passado.

Como vê a criação por parte do Governo Regional do novo grupo de trabalho para a elaboração de um modelo de horário para os médicos dentistas que exercem nas unidades de saúde?

Julgo que a política de saúde deste Governo nesta matéria não é a mais indicada, nem a mais eficaz. Quer-se quantidade em vez de qualidade. Até aqui privilegiou-se a prevenção, as consultas de qualidade, o tratamento e a atenção ao utente, agora quer-se aumentar a quantidade. Isso também se faz, mas vai piorar a qualidade do tratamento. Consultas de 30 minutos, em alguns casos, parece-me absolutamente impossível.

De facto, podemos fazer tratamentos até de 15 ou 10 minutos. Tudo depende daquilo que se quer. Parece-me que o Secretário Regional de Saúde está apostado em ter um grande número de consultas e está a colocar em causa a qualidade.

Acho que era possível haver um modelo em que o médico dentista não fosse apenas uma máquina de fazer parafusos. Portanto, meia hora por consulta é padronizada com que base? A Ordem foi contundente na crítica desse modelo e dessa imposição de 30 minutos por consulta. Espero realmente que se faça aqui o recuo e se chegue a uma posição de consenso, onde se possa encontrar um modelo que não conte apenas o tempo, mas também os pacientes a atender e o tipo de consulta a fazer.

Poderemos estar perante um retrocesso face ao que já foi feito?

Julgo que se o caminho for esse, vai mesmo haver um retrocesso em relação ao que foi sendo feito até aqui. No caso dos médicos dentistas que estão a trabalhar na função pública, naturalmente se o patrão manda fazer 10 faz-se 10. Agora a qualidade não será a ideal. Andamos a brincar quer com os dinheiros públicos, quer com o tempo despendido para a cura dos pacientes, que em vez de irem à consulta uma vez, vão três ou quatro.

Esse é um dos desafios da profissão?

Os médicos dentistas têm que se impor pela qualidade do seu trabalho, pela ética e pela deontologia. Não se podem deixar manipular, nem ser por uma política de produção intensiva. Têm que alertar e denunciar as pressões a que são sujeitos por parte da tutela ou das administrações das entidades de saúde.

Ou então é preciso que se dote as unidades de saúde de condições excecionais, de materiais a triplicar, de duas assistentes dentárias para cada médico dentista, para se conseguir aproximar dessa meia hora de trabalho por consulta. É preciso que se reúnam todas as condições para isso. Se não tiverem, têm que denunciar à Ordem que não estão a ser cumpridas e que isso realmente tem consequências. Devem também alertar a opinião pública. Enquanto representante da Ordem também o tenho feito.

Essas medidas são consequência da austeridade?

Não, essa é uma medida contraproducente que pode aumentar custos. Porque em vez de conseguir tratar um paciente numa única vez, no tempo que seja necessário para fazer uma restauração em condições e definitiva, o que se está a impor é que se faça em 30 minutos.

Se não tiver tempo, coloco um penso provisório, mando o paciente embora e marco outra consulta. Ele está a ocupar tempo que poderia ser para outra pessoa e está também a tirar tempo da sua vida para vir novamente a consulta. É um modelo absolutamente errado.

Em relação ao sistema de reembolsos há novas regras

O sistema de reembolsos foi implementado nos Açores há 26 anos e na altura funcionava bem, mas nunca mais foi atualizado. Agora temos uma má medida do Governo Regional que foi indexar o sistema de reembolsos ao rendimento das pessoas.

Tornou-se num sistema em que o paciente é reembolsado consoante os seus rendimentos, que pode ser a 100%, 50% ou 40%. Há uma gradação no reembolso, em que a intenção verdadeira disso é levá-las a não fazerem o reembolso.

É negar um direito que está legislado e consagrado. Este Governo Regional implementou que as pessoas levassem a sua declaração de IRS e expusessem a sua vida contributiva para receberem o reembolso, que neste momento é miserável. É um sistema que prejudica muito as pessoas, que leva a que desistam de pedir o reembolso, deixem também de ir ao privado, tenham menos dinheiro e sejam menos reembolsados. É um ciclo vicioso.

São portanto duas medidas erradas tomadas por este Governo, que levam a que as pessoas da classe média, que não têm em alguns casos acesso ao centro de saúde, não possam também ir ao privado e, portanto, neste momento de crise há uma retração grande no consumo de cuidados de saúde oral.

Enquanto representante da OMD nos Açores, quais os objetivos a curto e médio prazo?

Alguns pontos já foram abordados. A Ordem foi decisiva e denunciou publicamente questões do exercício ilegal da profissão nos Açores e do abuso que alguns colegas faziam no sistema de reembolsos.

Hoje em dia está absolutamente controlado, quer na reivindicação de melhores condições para os médicos dentistas, quer na implementação do programa regional de saúde oral onde a Ordem participou ativamente com o seu representante, quer nos grupos de trabalho que têm sido implementados nos Açores e em que a Ordem tem participado sempre. Também neste sistema de reembolsos a Ordem foi ouvida e deu a sua opinião.

Neste novo sistema de implementação de horários, a Ordem fez-se ouvir e teve uma reunião com o Secretário Regional da Saúde, onde alertamos para o perigo dessa situação. Temos tido uma posição ativa, pública, notória, na comunicação social, através de artigos de opinião, de alerta e de sensibilização das pessoas para a importância da medicina dentária.

Temos feito várias reuniões com os colegas e ações de formação nos Açores. Temos atuado na política de saúde pública, dado o nosso contributo na defesa da política de saúde oral privada e levado a formação aos médicos dentistas dos Açores.

Ser político facilita o contacto com as outras entidades?

De alguma forma posso dizer que ajuda bastante, porque as pessoas conhecem-se e sabemos que isto facilita as coisas, não em termos de obter alguma benesse para a Ordem, mas facilita alguns diálogos e acesso às instituições. Entrei na política em 2004, mas desde 1993 que já era um ativista das carreiras públicas da medicina dentária.

Consegue separar o político do médico dentista?

Sim, perfeitamente. No meu consultório não se fala de política. Já não consigo é ter tempo para ser político e médico dentista. Qualquer dia tenho que tomar uma opção. Será muito complicado porque na política conseguimos também ter uma atuação cívica, defendendo causas e denunciando algumas situações, sobretudo quando se está na oposição como é o meu caso.

 


Perfil da classe nos Açores

Em média, há um profissional para cada 2000 pessoas, pelo que “já não há falta de médicos dentistas”. Estima-se que “95% fez a formação no continente e regressou”.

É “uma classe muito jovem que criou muito emprego nos Açores, o que é bom para a economia, porque pagam impostos, criaram a sua própria empresa e outros postos de trabalho, consomem todos os produtos necessários ao consultório e da economia local”.

Artur Lima alerta que “começa-se a atingir uma situação que é preciso repensar, pois já há colegas com algumas dificuldades em manter o seu consultório”. O “sistema de reembolsos poderia ajudar em muito”, aliviando o sistema público para aqueles “com menos posses” e permitindo que “a classe média fosse ao consultório e depois faria o seu reembolso”.

 


Reeleito presidente do CDS-PP Açores

Artur Lima continua a liderar o CDS-PP Açores por mais quatro anos. O médico dentista foi reeleito presidente do partido e vice-presidente a nível nacional, durante o IX Congresso, que decorreu na Vila da Madalena (Pico), em junho.

“Foi uma vitória por uma maioria expressiva, de 99%, que representa o reconhecimento do trabalho desenvolvido até aqui”, afirmou, assegurando que continuará a debater-se pela saúde da população. À margem da eleição disse que espera “continuar a corresponder aos anseios do CDS e dos açorianos”.

 

Entrevista originalmente publicada na Revista da OMD nº 26, de julho de 2015.