Se o compromisso de redignificação do trabalho qualificado não for cumprido, a questão será essencialmente política, envolvendo a sociedade no seu todo e responsabilizará o governo que ignore este problema.

O panorama atual, como recentemente tem vindo a público, aponta uma para uma liberalização selvática, sob o olhar de um Estado complacente e, por vezes até pactuante com entidades terceiras, cada vez mais influentes, que se entrepõem de forma artificial entre os prestadores de serviços e os seus destinatários.

Estas entidades terceiras, assumem formas diversas, transversais a todas as profissões qualificadas. Ora são empresas de recrutamento profissional, que a coberto da contratação pública, formatam o mercado segundo princípios que ignoram o destinatário do serviço, por exemplo serviços médicos, de enfermagem e nutrição; ora são gestoras de planos de saúde e seguradoras que controlam uma “fatia de leão” do sistema de saúde, nomeadamente planos de saúde dentários prevendo tratamentos gratuitos; ora são macro estruturas empresariais agressivas que distorcem práticas concorrenciais saudáveis e se impõe ao mercado relegando a massa crítica do diálogo com os profissionais qualificados para segundo ou terceiro plano. Em comum, a aposta numa perigosa desvalorização do fator trabalho, do capital humano e dos serviços de qualidade.

Esta fiel descrição, mais não reflete que o enfraquecimento dos seus recursos mais capazes, empobrecendo a nossa sociedade.

O setor das profissões qualificadas em Portugal carece pois de uma regulação efetiva, moderna, que atue, no tempo próprio, articuladamente.

É urgente a reestruturação de entidades reguladoras sectoriais, de fiscalização e concorrência que, umas vezes se atropelam, noutras ignoram vazios regulatórios, distorcendo uma desejável e sã concorrência.

Ao pensar soluções de regulação, os decisores não podem debelar a desigualdade de armas entre um profissional, isolado ou em grupo, que é diretamente responsável pela sua atuação profissional e uma pessoa coletiva na dimensão de uma estrutura económica complexa, estratificada, cuja responsabilidade é, em crescendo, difusa.

Assim, por exemplo, a obrigatoriedade de nas sociedades prestadoras de serviços qualificados, a maioria do capital social com direito a voto ser detido pelos profissionais em causa adquire importância fundamental. De igual forma, o controle ético e deontológico e a salvaguarda da autonomia técnica e científica deve ser resguardada.

Sem uma regulação balizadora de princípios fundamentais, ganha lugar a usurpação: toma posse o falso conhecimento e resulta a apologia de meros sucedâneos de práticas, só aparentemente, seguras. Ganha lugar a estagnação.

A natureza pessoal ou de confiança dos serviços qualificados, carece de enquadramento que lhe permita a coexistência e por vezes tão-somente, capacidade de negociação. Mais ainda, a rede de proximidade às populações que estes 300.000 profissionais proporcionam, é estruturante para a sociedade e gera milhares de postos de trabalho.

Quando o Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000, desenhou um programa de reforma para a UE, a estratégia era generosa nos seus intentos. Visava maior eficiência a partir das normas da livre concorrência, obter ganhos na relação custo-eficácia dos serviços prestados, defender a qualidade e a evolução efetiva do trabalho qualificado. Este ideal de qualidade ameaça transformar-se em mera quimera ou chavão…

A redignificação das profissões qualificadas é sinónimo também de um Estado e uma Nação redignificados.

Orlando Monteiro da Silva

Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas