A proposta de lei que tem como objetivos a autorregulação e descentralização administrativa das associações públicas profissionais, por força do memorando da troika, necessita de ajustes consideráveis por parte da Assembleia da República e do acompanhamento de perto do Presidente da República, assegurando que no global não se desvirtue o sentido do diploma em discussão.

Três exemplos.

A possibilidade de o Ministério Público poder desencadear procedimento disciplinar aos membros das Ordens. Tal deturparia grotescamente a autorregulação das profissões, correndo-se sério risco de interferência do poder judicial. Recorde-se que, das penas disciplinares, cabe já, atualmente, recurso para os Tribunais;

Autêntico escândalo constitui autorizar que na função pública os serviços que envolvam a prática de atos próprios de cada profissão, destinados a terceiros, sejam prestados por profissionais sem habilitações legais. Mais uma vez, esta-belecendo o Estado regras que ele próprio não cumpre;

Ao nível da Tutela, a tentação recorrente de governamentalização das Ordens profissionais vem uma vez mais ao de cima. Pretende-se que membros do Governo possam exercer poderes de tutela sobre cada uma das associações públicas profissionais, incluindo a homologação de regulamentos de estágios, especialidades e provas de acesso.

É fácil prever a morosidade, a burocracia e os custos de medidas de controlo como esta que vão ao arrepio do princípio de autorregulação das profissões… Delega o Estado por um lado, caindo na tentação do controlo tutelar por outro…

No que diz respeito à organização interna, algumas oportunidades de modernização surgem para as Ordens através da proposta de lei.

Os instrumentos disponibilizados, o Provedor dos Serviços, a possibilidade de inclusão de elementos estranhos à profissão nos órgãos deontológicos e de supervisão e a obrigatoriedade de as regras deontológicas e de publicidade de serviços estarem vertidas nos estatutos de cada Ordem constituem ferramentas adicionais para um percurso de maior transparência na punição da má prática, das quebras deontológicas e da resposta atempada às reclamações dos nossos destinatários.

Cabe ao Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), às 14 Ordens e mais de 300 mil profissionais representados pugnar junto da Assembleia da República no sentido de que o diploma seja efetivamente uma oportunidade de harmonização e modernização e não um espartilho que coloque em causa o desejável equilíbrio entre regulação, competitividade e qualidade dos serviços.

Cada uma das Ordens profissionais terá o desafio próximo de adaptar o “fato feito à medida” agora em discussão à especificidade de cada profissão. Se não o fizermos, outros, sem qualificações e conhecimentos, o irão fazer por nós. Certamente não é esse o caminho.

Artigo de opinião publicado originalmente a Diário de Notícias de 10 de agosto de 2012. Descarregar em formato PDF