A emigração de jovens qualificados é inevitável no contexto português, defendeu o professor Adriano Moreira num colóquio sobre autorregulação das ordens profissionais.

Durante o período de perguntas, o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, também presidente do CNOP, realçou que na área da medicina dentária – e noutras áreas profissionais, a emigração de jovens do nosso país é crescente.

“Há turmas quase inteiras cujo destino é Inglaterra, Suécia e outros países. Este tipo de emigração qualificada merece-lhe algum comentário?”, questionou o bastonário. (Ouvir versão áudio da pergunta e resposta)

Adriano Moreira, em resposta, lembrou que ainda há pouco tempo um membro do governo português aconselhou os jovens altamente qualificados a emigrarem.

“Até escrevi um artigo, na esperança de que algum membro do governo o lê-se, dizendo o seguinte: ‘Há uma regra secularmente verificada: Países ricos exportam capitais. Países pobres exportam gente. Esta regra não precisa ser apoio por nenhum governo. As circunstância tratam desse assunto’”.

Atualmente, Adriano Moreira preside à Academia das Ciências de Lisboa e ao Conselho Geral da Universidade Técnica de Lisboa.

O evento foi organizado pelo Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), em Lisboa, a 22 de março de 2011.

 

Destaques da intervenção do professor Adriano Moreira:

Poderá aceder à versão áudio integral do colóquio (mp3, 90mb) e ao texto do colóquio do professor Adriano Moreira (pdf, 105kb).

 


Em primeiro lugar sempre entendi que as Ordens são exemplo relevante do que a doutrina chama instituições, as quais usam ter raízes na conceção do mundo e da vida das comunidades.


Os institucionalistas, sobretudo da escola francesa, mas também portuguesa, sustentaram a importância das instituições, independentemente dos modelos políticos, mesmo quando se encontravam na contingência de os combater.

A sua posição central foi a de que, nas sociedades humanas, que nesse tempo já politicamente eram de regra as Nações, existem agremiações ligadas por uma ideia de obra ou de empresa que passa de geração em geração, durando no tempo e sustentando uma maneira especifica de estar no mundo. Para estes institucionalistas, a tradição, que literalmente significa a passagem de mão em mão, era uma característica das instituições, sem qualquer identificação com as habituais discussões entre correntes políticas conservadoras ou revolucionárias.


Tradicionalmente, a relação entre as Ordens e as Universidades foi um traço fundamental, e ainda hoje esse é um dos pontos que exige atenção, sobretudo depois de Bolonha, uma resolução que já mereceu a dignificação corrente de Tratado.

A questão, que não está resolvida satisfatoriamente, tem que ver com a relação entre a autoridade académica, que também é institucional, e a autoridade das Ordens, um tema que pode ser enquadrado, de maneira imperfeita, entre o saber e o saber fazer.


O artigo 10.º da Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro, que estabelece o Regime das Associações Públicas Profissionais, diz expressamente que “as associações públicas profissionais têm a denominação “ordem” quando correspondem a profissões cujo exercício é condicionado à obtenção prévia de uma habilitação académica de licenciatura ou superior e “câmara profissional” no caso contrário”.

20120322-cnop-adriano-moreira-w001Acontece que Bolonha foi aplicado como se o mercado estivesse apressado em receber diplomados universitários, o que os factos dramaticamente estão a desmentir, e também eventualmente tendo em vista diminuir os custos da formação universitária, o que era contrariado pelo método recomendado da tutoria, a exigir maior e competente corpo docente.

A partir desta base, Bolonha foi traduzida como exigindo um ritmo de 3+2 ou 4+1, mas esquecendo que a questão não era de ritmo sem nova melodia. Do que se trata é ter mudado a definição da área de concorrência, que é o globalismo, ter mudado a natureza das fronteiras geográficas que passaram, pelo menos na União, a simples apontamentos administrativos, e daqui a necessidade de alterar os curricula, de renovar a interdisciplina, de avançar para a transdisciplina, e não abreviar cursos concentrando as matérias em menos tempo escolar, simplificando a informação, e o saber. Sobretudo, quando o globalismo coloca em diálogo livre, pela primeira vez na história, todas as áreas culturais, não é seguramente uma boa solução diminuir a importância das humanidades, o conhecimento da circunstância alargada onde se vai exercer a competência dos diplomados, e os problemas éticos dos contextos entre tão diversas conceções do mundo e da vida em que vão desenvolver-se as negociações, os contratos, os resultados, e o prestígio.


20120322-cnop-adriano-moreira-w003Entretanto as condições de trabalho mudaram consideravelmente, e a maior parte das Ordens modernas (Biólogos, Economistas, Enfermeiros, Médicos Dentistas, Médicos Veterinários, Notários, Psicólogos, Revisores de Contas, ou Câmara dos Solicitadores) agrupam profissionais com a qualificação universitária que a lei exige, mas geralmente inscritos numa hierarquia ou estadual ou civil.

E esta questão suscita o problema essencial das regras da arte, a respeito das quais tem de discutir-se se o qualificativo de profissão liberal os liberta das ordens hierárquicas, porque as regras da ética, e as regras da arte, são da responsabilidade da reconhecida capacidade científica, técnica, profissional, e moral, do responsável perante a vigilância da Ordem.

Trata-se, parece-me, de um problema de interesse público que só as Ordens podem servir com autoridade e competência, sobretudo numa data em que a internacionalização, pelos factos, pela aplicação cuidada ou menos cuidada de Bolonha, tudo em clima de relativismo e até de redes sem formalização conhecida, desafia a conceção do mundo e da vida ocidentais. Não se trata apenas da capacidade científica e técnica reconhecida pela Universidade, nem da perícia profissional certificada pelas Ordens, trata-se do papel das humanidades, dos valores, da responsabilidade ética intransmissível e não submetida a interesses de outra natureza, geralmente financeira. A crise económica e financeira que atinge tão severamente o Estado e a sociedade civil, que sofre as consequências da má governança nacional e internacional, tem nas Ordens uma defesa, em liberdade, de segurança dos direitos humanos ameaçados. É natural que a saúde e a justiça sejam mais frequentemente chamadas à intervenção das Ordens, mas a questão das regras da arte, da independência de juízo, da responsabilidade profissional, são invioláveis pelos interesses da hierarquia que se manifestem em conflito com tais regras da arte.


Temos assim que a sustentabilidade dos direitos humanos, que inspira o estado social em crise, tem nas Ordens um apoio e uma defesa em que a sociedade civil confia, sobretudo quando princípios como os da não retroatividade das leis, ou dos direitos adquiridos, são considerados frequentemente como embaraços orçamentais, e não como conquistas da civilização.

Voltando brevemente à relação entre a autoridade académica e a autoridade das Ordens, julgo que há um risco a evitar, e que é o de um sentido sindicalista contaminar as Ordens.


O equilíbrio exigível para tentar racionalizar, e tornar efetiva, uma nova ordem, procurando não consentir em que o pessimismo seja a perspetiva dominante, aconselha a fazer o inventário dos aspetos positivos da evolução, abrindo cooperações para novos caminhos de esperança.


As Ordens devem estar na primeira linha dos que resolvem ficar para ultrapassar a crise, usando com imaginação e vontade as regras da arte.

 

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Da esquerda, o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, anfitrião do colóquio, o presidente do CNOP, Orlando Monteiro da Silva, o professor Adriano Moreira e a presidente da Assembleia Geral da Ordem dos Notários, Heloísa Pereira da Silva.