A segurança dos doentes congregou, no passado dia 2 de Junho, em Lisboa, os bastonários das quatro Ordens da Saúde de Portugal (Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos Farmacêuticos, Ordem dos Médicos, Ordem dos Médicos Dentistas), organizações que assumiram em conjunto a organização de uma Conferência subordinada ao tema «A segurança dos doentes versus a sustentabilidade do sistema». Tendo contado na sua abertura com a presença da Ministra da Saúde.

Das abordagens realizadas ficou evidenciada a tensão existente entre estas duas problemáticas, na medida em que as limitações financeiras que afectam todos os sistemas de saúde do mundo, inclusivamente o português, poderão pôr em causa a segurança dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos. É claro para todas as Ordens profissionais que o Serviço Nacional de Saúde português deve continuar a manter o carácter público e tendencialmente gratuito que está na origem da sua criação, na Constituição Portuguesa.

Atendendo a que o cuidar dos cidadãos não é exclusivo de uma única classe profissional, mas de um trabalho multidisciplinar e multiprofissional, as quatro Ordens da Saúde adoptam a necessidade de um pensamento comum em prol dos cidadãos. 

As quatro Ordens temem que a lógica mercantilista e empresarial que vigora em grande parte dos serviços de saúde, sobretudo de grande dimensão, cuja orientação assenta numa perspectiva de produtividade quantitativa e de lucro, potencie a menos atenção ao paciente e à vertente da segurança.

Durante esta Conferência aflorou-se naturalmente a Directiva Europeia que, entretanto, já foi aprovada em Conselho Europeu de Ministros da Saúde (8 de Junho) pela grande maioria dos países europeus (com excepção de Portugal, Polónia e Eslováquia), que é favorável à prestação de cuidados de saúde transfronteiriços.

Ana Jorge, Ministra da Saúde portuguesa, considera que a directiva põe em causa «a organização e funcionamento do nosso Serviço Nacional de Saúde, não salvaguardando devidamente a segurança e a qualidade dos cuidados de saúde dos pacientes que procuram cuidados transfronteiriços».

Também as Ordens profissionais portuguesas têm sérias reservas em relação a esta directiva e assumem que a problemática da segurança dos doentes é uma «causa» intrínseca à criação destas organizações, a par da adopção de boas práticas, da defesa da qualidade e da melhoria dos cuidados de saúde prestados aos portugueses.

Com enfoques diferentes mas complementares esta constatação esteve patente nos contributos que cada Ordem trouxe para o debate conforme se explicita em seguida. 

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A Ordem dos Enfermeiros

(OE), presidida pela Enf.ª Maria Augusta Sousa, tem uma tomada de posição pública que data de 2006 «sobre a segurança do cliente», na qual se sublinha que «os clientes e famílias têm direito a cuidados seguros» e que a segurança deve ser uma «preocupação fundamental dos profissionais e das organizações de saúde».

É ainda referido que «o exercício de cuidados seguros requer o cumprimento das regras profissionais, técnicas e ético-deontológicas (legis artis), aplicáveis independentemente do contexto da prestação dos cuidados e da relação jurídica existente».

«O dever de excelência» dos enfermeiros e, consequentemente, de assegurarem cuidados em segurança é outra máxima defendida pela OE, que sustenta a necessidade das próprias organizações de saúde assumirem «a obrigação ética de proteger a segurança dos clientes, na persecução da sua responsabilidade institucional, e de desenvolver uma cultura de responsabilização não-punitiva, valorizando a dimensão formativa».

A OE sustenta que as «organizações», leia-se entidades prestadoras de cuidados, «os serviços e os profissionais têm a responsabilidade ética de promover e salvaguardar a segurança dos clientes, reduzindo os riscos e prevenindo os eventos adversos», advogando a existência de programas dirigidos à gestão do risco e da segurança.

 

A Ordem dos Farmacêuticos

pugna igualmente pelos direitos dos pacientes, lembrando a proximidade que estes profissionais têm com o público.

Esta organização, liderada pelo Dr. Carlos Maurício Barbosa, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF), lembra, entre outros aspectos, o papel que estes profissionais têm desempenhado ao nível da farmacovigilância e do reporte de reacções e efeitos adversos, bem como na redução do risco de doença, já que a má utilização de medicamentos é uma das principais causas de internamento hospitalar.

O farmacêutico sublinhou, por exemplo, o papel que esta organização tem tido nas campanhas para o Uso Racional dos Medicamentos, bem como o papel último que estes profissionais acabam por ter, em termos de segurança dos medicamentos, evitando muitas vezes a duplicação terapêutica.

A Ordem dos Médicos, presidida pelo Dr. Pedro Nunes, entende que, em prol dos doentes, é «preciso haver vontade política para criar um sistema em que os profissionais sejam obrigados a reportar» situações adversas, desde que de forma anónima e não punitiva. «Quem estiver com medo e achar que pode ser responsabilizado não vai correr o risco de reportar». «Se tentarmos encontrar bodes expiatórios, não iremos a lado nenhum».

O Dr. Pedro Nunes defende a necessidade de ultrapassar a cultura da «culpa» quando ocorrem incidentes em Saúde e acelerar o processo de indemnização dos doentes lesados. Apostar numa medicina defensiva também não é solução porque tenderá a multiplicar os meios complementares de diagnóstico e terapêutica e a encarecer os sistemas de saúde.

 

A Ordem dos Médicos Dentistas

(OMD), liderada pelo Dr. Orlando Monteiro da Silva, defende que um dos pré-requisitos para o «Patient Safety» é a noção de qualidade ao serviço da segurança do paciente. Esta organização é da opinião que tem havido uma «simplificação» da definição de qualidade em Saúde focada exclusivamente nos resultados, descurando as vertentes de «estruturas e processos». «As expectativas dos pacientes e os respectivos comportamentos são aspectos muito importantes e devem ser tidos em conta. Os cuidados de saúde devem ser centrados nos pacientes» e o fortalecimento deste empowering é um aspecto-chave num sistema de saúde moderno, sublinha o presidente da OMD.

O Dr. Orlando Monteiro da Silva lembra que começam a aplicar-se e a medir-se «as estratégias de qualidade em Saúde», através de escalas de prestadores de cuidados de saúde e instituições, e alguns Estados começam a reportar incidentes adversos, a implementar guidelines, a introduzir mecanismos de acreditação / certificação. Mas falta apurar se a informação disponibilizada aos cidadãos é suficiente.

O Bastonário da OMD sublinhou ainda que há a intenção, ao nível da União Europeia, de «inverter o ónus da prova» para maior segurança dos doentes e que pelo facto de os profissionais terem de provar todos os procedimentos que fizerem, haverá uma «postura defensiva da parte destes, que colocará «em causa a sustentabilidade dos sistemas nacionais de saúde» dos países europeus. Deve, no entanto, haver «mecanismos de reporte do erro com carácter anónimo», que terão repercussões na identificação dos erros e ocorrências adversas mais comuns e permitirão partilhar essa informação com os profissionais e com o público em geral.

 

Em síntese:

As Ordens profissionais assumem a responsabilidade inerente às suas atribuições como Associações de Direito Público, entendendo que a segurança dos doentes é parte integrante da responsabilidade dos profissionais que representam e deverá ter cada vez mais uma expressão clara pela identificação das situações que desrespeitem ou a ponham em causa.

Desta Conferência ficou também evidenciada a necessidade das Ordens Profissionais presentes continuarem o desenvolvimento da abordagem iniciada no sentido de maior concertação e complementaridade entre as várias profissões no que à defesa dos melhores cuidados de saúde diz respeito.

 

 


Algumas da comunicações apresentadas na conferência:



Segurança dos Cuidados de Saúde vs Sustentabilidade do Sistema de Saúde

Intervenção da Ministra da Saúde


Segurança dos Cuidados de Saúde vs Sustentabilidade dos Sistema de Saúde

Intervenção do secretário de Estado

Por uma Nova Política de Saúde: Em busca de um modelo de Sustentabilidade do SNS

Paulo Kuteev Moreira, Journal of Management & Marketing in Healthcare

Patient Safety in the EU

Paul De Raeve, European Federation of Nurses Associations, Secretary General

Patient safety panel

Magdalena Machalska, European Patients Forum

Patient Safety – a visão da Direcção-Geral da Saúde

Francisco George, director DGS

Sustentabilidade e Regulação em Saúde

Adalberto Campos Fernandes, ENSP UNL